A Guarda deve afirmar-se como «nó ferroviário do interior do país»

A estação de caminhos ferro da Guarda volta a ter horas de ponta. Desde a reabertura da Linha da Beira Baixa, em maio, passou a existir um movimento diário mínimo de 24 comboios de passageiros, entre as 6h00 e as 23h00. Só no troço de 46 quilómetros, até à Covilhã, encerrado em 2009 para obras (que seriam canceladas em 2012 e apenas retomadas em 2019), há três ligações de Intercidades e três de Regional em cada sentido. Partem ou chegam à Guarda, também, os Intercidades da Beira Alta e os regionais para Coimbra ou Vilar Formoso. E poderão voltar a passar os internacionais (pelo menos o Sud Express para Paris), suspensos deste o início da pandemia.

Na confluência deste movimento encontra-se, de novo, a gare terminal da Linha da Beira Baixa e de paragem da Linha da Beira Alta. Uma centralidade que a Guarda reassume quando se assinalam os 130 anos da abertura da Linha da Beira Baixa.

Entre os aficionados do caminho de ferro, há uma comunidade digital, em especial, que teve um papel determinante na sensibilização e na pressão para que os comboios voltassem a ligar as duas cidades. A página Linha da Beira Baixa tem como principal dinamizador um engenheiro informático radicado na zona de Lisboa, com raízes no concelho do Sabugal.

Antero Pires percorre, várias vezes por ano, a via que tem início no Entroncamento e agora volta a terminar na Guarda. E pode dizer-se que já embarcou e desembarcou em todas as estações e apeadeiros, para construir um registo documental único, que conta com colaborações de dezenas de entusiastas.

Ver a estação da Guarda a retomar o papel que lhe cabe dá-lhe uma sensação de justiça. Porém, Antero Pires está a preparar, em conjunto com outros interessados na temática, um contributo para a fase de discussão pública do Plano Ferroviário Nacional. As sugestões assentam na valorização do “arco” das Beiras e, em especial, no reforço da afirmação Guarda naquela que é uma das vocações primárias para o futuro da cidade:  ser «o nó ferroviário do interior do país».

Desde logo no transporte de mercadorias. Até porque a ferrovia será um corredor importante no movimento de carga entre os portos marítimos (de Aveiro, Leixões ou Figueira da Foz) e o futuro Porto Seco da Guarda. Trata-se de uma zona aduaneira especial, cuja criação está prevista numa lei de 2019, podendo a Guarda vir a receber o primeiro licenciamento do género. Se tal acontecer, toda a mercadoria que entrar por via marítima poderá ser deslocada para um futuro terminal rodoferroviário, iniciando aqui o processo de desalfandegamento, ao mesmo tempo que entra no circuito logístico. A Guarda assumirá, assim, o lugar de centro transitário, comparável ao que existiu em Vilar Formoso até à abertura das fronteiras, há cerca de três décadas.

Mas se a requalificação das linhas (a da Beira Baixa, já concluída, e a da Beira Alta, agora em curso) foi, sobretudo, para o movimento de mercadorias, a estratégia do operador público de transporte de passageiros passa por resgatar a importância estratégica das linhas. O aumento de comboio na estação da Guarda é já disso um reflexo. Razão maior, alerta Antero Pires, para que os poderes locais e regionais saibam estar à altura do momento. Nomeadamente na definição de um plano intermodal que consolide a importância da cidade nesta área.