Num mundo globalizado como o nosso, e perante o rol de oportunidades que saltam ao caminho de quem daqui sai para se formar, sonhar com uma vida na Guarda é, hoje, mais do que um ato de bravura: é um heroísmo.
No famoso poema de Cesário Verde, dedicado, precisamente, aos Heroísmos, o poeta, na sua subtileza arrebatadora, surpreende-nos com a sua facilidade em encontrar duas perceções antitéticas, nas quais se estriba, precisamente, para nos mostrar que não deve bastar-nos o medo da imensidão dos desafios que possamos vir a ter de enfrentar:
“Eu temo muito o mar, o mar enorme, / Solene, enraivecido, turbulento, / Erguido em vagalhões, rugindo ao vento; / O mar sublime, o mar que nunca dorme. / (…) Contudo, num barquinho transparente, / No seu dorso feroz vou blasonar, / Tufada a vela e n’água quase assente, / E ouvindo muito ao perto o seu bramar, / Eu rindo, sem cuidados, simplesmente, / Escarro, com desdém, no grande mar”!
Pois bem. Há coisas que, de facto, nos enchem de pavor, mas que não podem vencer-se pela força. Nós, no interior do país, precisamos de ser, não apenas lutadores e resilientes, – porque isso já somos por natureza. Precisamos hoje, mais do que nunca, de atrevimento, de desfaçatez, da agilidade e argúcia que, outrora, os nossos avós tiveram para daqui fugir (e mais alguma!), para então podermos fazer face ao grande desafio da emergência demográfica. Para podermos “escarrar no grande mar” e por cá aguentar e sobreviver, na nossa labuta diária, com orgulho de sermos quem somos e de aqui pertencermos.
Há uns dias, dizia-me um habitante da modesta freguesia da Rabaça, que os políticos ali vinham em procissão, de quatro em quatro anos, pregar aos quatro ventos. Continuarão a vir, é certo. Só não é certo que continuem a encontrar pessoas, porque essas não são eternas e estão fartas de lutar. De facto, um povo é a sua identidade, são as suas tradições, é a sua cultura. Como disse, um dia, José Hermano Saraiva, em jornada itinerante pela histórica vila de Alfaiates, “Um país é a gente que tem e, quanto menos gente tiver, menos país é. Pois é a gente que trabalha. É a gente que pensa. É a gente, em suma, que constrói o pavilhão da alma nacional. Quando não houver portugueses, não haverá, certamente, Portugal”. Pois é este Portugal ermo, esquecido, abandonado à sua sorte; o Portugal que grita ajuda, numa agonia atroz de solidão, ao qual devemos todos acorrer e em massa, com toda a ajuda que pudermos oferecer. Salvar as zonas despovoadas, mais do que uma guerra justa para quem ainda aí vive, é salvar o país e todo o espólio patrimonial e histórico que ele tem para nos oferecer. Não podemos permitir que parte do nosso território morra, porque isso é, também, capitular e perder, aos poucos, a nossa soberania. É preciso povoar, repovoar e voltar a fazê-lo, sempre com esta ideia-candelabro a alumiar os nossos passos. Precisamos de uma verdadeira Lei das Sesmarias – um diploma revolucionário que vise, não apenas, “dar a terra a quem a trabalhe”, mas oferecer uma alternativa sólida e digna a todos os que aqui se quiserem fixar, que o nosso mal não é falta de mantimentos para a viagem, mas sim de sangue e de vida que a possam levar a cabo.
Quem olhar de fora a nossa cidade, capital de distrito, facilmente é levado a pensar que não há gente capaz de mobilizar os recursos existentes para criar empregos e fixar pessoas. Podia aqui enumerar imensos, mas não quero cair no ridículo, pois tenho a certeza que falta apenas encontrar uma via de comunicação eficiente para provar ao país a existência desses mesmos recursos e de inúmeras iniciativas que concorrem para criar riqueza. Muita gente não tem consciência das dificuldades que se colocam aos residentes da cidade mais alta, cujo clima toca sempre a extremos. A luz, que escasseia no inverno, e leva a custos astronómicos de energia, que as empresas têm de suportar, faz da fatura dos custos fixos uma das primeiras limitações a combater, para podermos ser verdadeiramente competitivos.
Os sucessivos governos ignoram, mas toda a gente sente que sempre foi à vizinha Espanha “abastecer” de combustível e que a frota de camiões não abastece em solo português. Pois é isso, também, o que arruína a economia local. O gás é vendido a metade do preço no país vizinho – o que é absolutamente inaceitável. É hoje, mais do que nunca, necessário, combater esta realidade com a mesma veemência com que se fala da abolição das portagens. Será, pois, aqui, que a transição energética terá de se colocar, definitivamente, como fator de recuperação, pois resilientes sempre foram as empresas que aqui se fixaram. Vivemos em esforço, mas, mesmo assim, resistimos, e as empresas perseveram. Significa que é urgente adotar meios de comunicação eficazes que mostrem, definitivamente, as vantagens competitivas de que a Guarda dispõe.
Pois é esse o repto que lanço aos nossos políticos, que este elóquio já vai longo. Para primeira amostra, vou ficar-me por aqui.
Vir, há trinta e tal anos, para a Guarda foi um ato de amor. Manter me foi coragem. Aconchegar a minha filha, que depois de ter saído, voltou, foi egoísmo.
Criar o meu neto começa a parecer me burrice!!!!