O elogio do marasmo

Nos últimos meses, tenho sido surpreendido por afirmações interessantes da parte de quem, agora, governa o concelho, e tenho-me remetido ao silêncio da minha insignificância. Contudo, penso eu, de que me vale tal silêncio? O que temo? Pois bem, rigorosamente nada, e, como cidadão informado que sou, tinha mesmo de dar a minha humilde, mas informada, opinião.

O que se passa na Guarda é uma marca de água nossa, tão nossa, que deixou há muito de ser marca de água, para passar a ser água de marca. Gostamos mesmo de meias-verdades. Vibramos com promessas vãs. Adoramos a vaidade e, acima de tudo, os cultos de personalidade, sejam eles quais forem. Às vezes, parece mesmo que vivemos coletivamente em torno disso e que jamais nos distanciaremos de tais amores e crenças para um olhar descomprometido, porque a memória, essa, será sempre curta.

Enquanto a Covilhã, aqui ao lado, tem uma nova clínica de um grande grupo de saúde privado (que inveja!) e o Fundão garante que o grupo IBM instalará um centro de desenvolvimento de uma das suas empresas num edifício centenário da zona histórica, solidificando a presença no território e mais empregos qualificados, a Guarda discute o local certo do Porto Seco (desconhecendo em absoluto que o Porto Seco é um conceito – uma zona aduaneira e fiscal que pode dinamizar a região – e não uma empreitada comum); a Guarda rejubila com o espaço do antigo matadouro inalterado e devoluto; a Guarda inaugura as obras do Governo que não virão e celebra efusivamente a abertura dos Passadiços do Mondego antes do início do verão, sem para ela redefinir marketing territorial. A Guarda esfrega as mãos porque a candidatura a Capital Europeia da Cultura fracassou e está também muito melhor e mais roliça sem Feira Ibérica de Turismo. Sem Plano de Urbanização do Cabroeiro nos próximos anos. Sem a sede do Geopark Estrela. Sem a Academia de Futebol da Associação de Futebol da Guarda. Sem, sem, sem! Mas com uma deliciosa consulta pública para, por exemplo, terraplanar um projeto de casa museu e “erguer” lugares de estacionamento subterrâneos. Eis a metáfora perfeita: em vez de nos nivelarmos por cima, o que queremos mesmo é ficar cá em baixo. Soterrados, na liga dos últimos. Por esta lógica, o espólio de António Piné estará muito melhor em Pinhel, de onde é natural, pois não podemos, por maioria de razão, ter tudo centralizado aqui na Guarda!

O presidente da Câmara, toldado pelas gulodices do ego, consegue ainda dizer urbi et orbi, nas comemorações do 25 de abril, que os guardenses rejeitaram extremismos e votaram em independentes. Agora, pergunto-lhe eu: quem são os extremistas a que se refere? E os independentes? Há que ter muito cuidado com as palavras. Enquanto ex-JSD e militante do PSD, fica-lhe muito mal cuspir no partido que lhe deu tudo o que tem hoje. Se dele já se serviu como trampolim, instrumentalizando militantes para o atraiçoar, continua agora a servir-se dele como saco de pancada, colocando-lhe rótulos depreciativos e esquecendo que também faz parte de uma História de longos anos (sete de vereador), que não se cansa de diminuir. Magia política para os mais incautos! O que é bom e venturoso, a ele pertence. O mau, é culpa dos outros autarcas, que tiveram a audácia de cometer todos os erros. Quem pode levar alguém assim a sério? Será que a incoerência não tem peso nem preço? Quando finalmente encontramos a casa ideal para arrendar, folgamos em saber que é bonita e que já está mobilada. Pois assim estão as finanças do Município: bonitas. Pois assim estava a sua governação à data em que o PSD a deixou: mobilada ou, se quisermos, bem apetrechada estrategicamente. Não se pode falar assim, quando se está de barriga cheia!

Regularam-se matérias essenciais para a fixação de empresas e pessoas. Há planos municipais sólidos e inovadores para praticamente tudo, do ambiente ao combate ao insucesso escolar, passando pela habitação e requalificação urbana, igualdade de género, inovação e empreendedorismo. Houve rasgo e os fundos europeus foram aproveitados com mestria. As obras nas escolas, nos bairros e nas freguesias destacam-se e não deixam margem para dúvidas: há muito trabalho e, parte dele, muito vasto, principalmente no campo da ação social. Os valores da social-democracia prevaleceram sempre e há, hoje, património político do PSD que a todos nos orgulha e que faz, ainda (e fará!), avançar a Guarda, graças às externalidades positivas que já se manifestam. Os Passadiços estão aí para deles fruirmos e tirarmos partido… De quem foi tal ideia? É uma obra de fundo! Será decisiva para o futuro turístico da Guarda e da região!

Na parte que me é mais cara, o Município é novamente amigo da Juventude e houve, pela primeira vez, um regulamento que veio agora dar frutos, atribuindo bolsas de estudo municipais aos nossos alunos do Ensino Superior. É isso que me enche de orgulho o peito de jovem extremista (assentou-me a carapuça!). Já falei do Conselho Municipal da Juventude? Não vale a pena. Está instalado e já fala por si.

Agora, para acabar com a prosápia, resta-me deixar um aviso claro a quem governa: prometeram trabalho e concursos públicos límpidos e transparentes. Prometeram saúde pública para todos (o que é isto?). Prometeram as variantes e as duplicações a triplicar. Prometeram até algumas coisas que nos remetem para o campo das hipóteses meramente académicas, nas quais se cortam ondas legalmente impossíveis. Prometeram que ficavam cá. Eu, enquanto jovem, também estou a lutar para cá ficar e não me esqueci de nada. Pois trabalhem mais, e não nos façam rir com histórias de heranças pesadas. Não criem falsas questões nem ludibriem as pessoas. Aproveitem aquilo que têm nas mãos e transformem-no em algo melhor e distinto, porque, acreditem, não será tarefa fácil fazê-lo. Respeitem, antes de mais, tudo o que de bom foi feito, para poderem depois respeitar a Guarda e pensar nos desafios dos próximos anos. Para isto, lembrem-se, basta seguir o mote do atual edil, aquando da sua candidatura à Comissão Política Concelhia do PSD da Guarda: “Respeitar o Passado, Acreditar no Futuro”.

Primeira nota, para poderem atacar-me: querem erigir uma mata municipal e a ideia é muito boa, mas, se aqueles terrenos são do Município e se fixar pessoas não pode ser um chavão, por que não pensar nelas primeiro e nas árvores depois? Se há possibilidade de construir habitação jovem, recorrendo aos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, porque não têm esta ideia, que estava em curso, em linha de conta? Qual é o plano que têm, também, nesta senda, para o Bairro da Fraternidade? Ficamos a aguardar.

Segunda nota, para começarem a atacar o Governo: é bom que se comece a falar, alto e bom som, nesta situação insustentável de subida de preços, da suspensão do pagamento de taxas de portagem e do regresso, a médio prazo, às ex-SCUT, na A23 e A25. Enquanto os cidadãos se mobilizam em manifestações, a Câmara “pia fino”? Neste momento, o nosso primeiro desígnio deveria ser o de erradicar este custo de contexto, nem que fosse temporariamente, para podermos ajudar os nossos empresários, as famílias, pois claro, e o turismo que estamos prestes a receber no verão que agora começa. Haja coragem, rasgo e liderança digna de capital de distrito. São ou não são independentes?

Terceira nota: os cidadãos independentes são isso mesmo: independentes, apartidários, ou seja, pessoas que não criam partidos encapotados, sob pena de deixarem de ser independentes e apartidários. A Associação Cívica Trabalhar Pela Guarda, “fundada” em Celorico da Beira, é isso mesmo: um partido que vai trabalhar arduamente, cacicando muito para benefício do Presidente da Câmara da Guarda. Para quando o primeiro congresso? Será em Pinhel?

Para finalizar: a transição energética e a descarbonização das grandes cidades não pode transformar-se no fim da nossa paisagem, da nossa água e dos nossos solos e ecossistemas tal como os conhecemos. A exploração massiva de lítio no nosso distrito e região é a machadada final em qualquer esperança de coesão territorial e combate à desertificação, porque arrasará qualquer “vantagem comparativa” que possamos ainda ter. Caminhávamos para ser uma reserva natural desabitada, mas podemos tirar daí o sentido: se o nosso Ministro do Ambiente quiser, seremos então um esgoto a céu aberto; um território doente, com as entranhas à mostra, onde ninguém quererá viver e que ninguém quererá visitar. Se a última Avaliação Ambiental Estratégica do Governo excluiu duas das oito zonas possíveis para prospeção e exploração do minério, como pôde não excluir um sumidouro natural e único como é o Morro de Vale de Estrela, que separa as bacias hidrográficas do Tejo, Douro e Mondego? Como não se excluem logo estes territórios, que são parte do Parque Natural da Serra da Estrela? Resta-nos lutar ao lado das Associações Ambientais e dos cidadãos que se mobilizem para parar este massacre iminente. Por Vale de Estrela, pela Benespera, pela nossa agricultura e património histórico, arqueológico, hídrico, paisagístico e orográfico. Cá estaremos.