Anatomia do retrocesso europeu

A Europa ainda é o local onde a maioria dos cidadãos deseja viver.
A Europa ainda é a segunda maior economia do planeta.
Ainda é.
Mas quase que já não é.
E já deixou de o ser em tantas outras métricas da vida real.

As negociações das tarifas da União Europeia com Donald Trump – e o cenário surreal de estas ocorrerem no campo de golfe de Trump, na Escócia – foram uma humilhação.
Não há outra forma de classificar: Trump goleou num campo fácil, perante um adversário fraco.
Mas a questão fulcral é muito mais profunda e substantiva.
Poderia a Europa ter negociado melhor? Provavelmente não.
A fragilidade da União Europeia nesta negociação é apenas o espelho da Europa nas últimas duas décadas.

O que aconteceu?

Em 2009, a União Europeia produzia ligeiramente mais riqueza do que os Estados Unidos (cerca de 15 triliões de dólares).
Em 2025, os Estados Unidos vão ultrapassar os 30 triliões, enquanto a União Europeia não chegará sequer aos 20 triliões.
É uma diferença impressionante. Por mais vontade que muitos tenham em elevar os valores europeus –dos quais sou apologista – não compreender este desastre é caminhar para a insignificância da Europa: na economia, no bem-estar e na relevância geopolítica.
A Europa passou de potência global a sombra de si mesma – e por isso ainda importa.

Porquê?

“Quando se começa a promover as pessoas erradas, começa-se a perder as pessoas certas.”

Esta citação resume, numa frase, o que aconteceu à Europa.
Um falhanço total nas lideranças. A esmagadora maioria nunca geriu uma empresa, nunca pagou salários nem impostos.
Nunca foram a contas.

Ora, isto induz numa hecatombe do pensamento crítico.
Uma inversão nas prioridades.
Afinal, deu-se mais importância a causas minoritárias do que à definição de uma estratégia de competitividade.
Venceu-se nos direitos sociais, mas perderam-se todas as obrigações sociais e civis.

A primeira parte é meritória. A segunda conduziu ao desastre.
Ficámos, hoje, com uma retórica e uma vaidade que não acompanham a nossa realidade.

O colapso económico

Falhou o padrão económico.
E esse é o maior dos retrocessos.

A Europa perdeu o comboio da inovação.
Na tecnologia, desceu de divisão: no ranking global das tecnológicas, a primeira empresa europeia – a germânica SAP – está apenas em trigésimo lugar (!).

A Europa assistiu, passivamente, ao envelhecimento da população.
Insiste numa rigidez do mercado laboral que desencoraja o empreendedorismo e dificulta às empresas adaptarem-se às rápidas mudanças do mercado.
Não promoveu o risco. Protegeu-o.
Desincentivou o talento.

Perante crises, a Europa debate. Não age.
E quando o faz, o prejuízo já se exponenciou.

Desindustrializou-se e perdeu o seu core business.
Observou, de forma contemplativa, a ascensão da China.

Julgámos que a China se resumia a uma espécie de “loja dos 300”.
Ora, esse é mais um equívoco.

Hoje, a China é tudo menos uma economia de baixo custo.
Ultrapassou a Europa na inovação, nas infraestruturas e na tecnologia.
É real. E, talvez, irreversível.

A Europa continua presa a uma burocracia anacrónica, incompatível com a era digital.
Insiste num sistema fiscal complexo e instável, sem qualquer valor acrescentado nos produtos, e que apenas retarda o prazo de produção de produção – logo, as oportunidades de negócio.

E agora, as tarifas

Os 15% de tarifas norte-americanas vêm agravar um estado atual já frágil.
Há várias inquietações.

O setor automóvel – particularmente os construtores alemães – vive uma crise estrutural, acelerada pela transição energética para veículos elétricos e autónomos.
É uma crise de transformação, e as tarifas apenas vêm retardar a reconversão necessária, agravando o excesso de capacidade instalada, tanto dos fabricantes como dos fornecedores de componentes.

O impacto é significativo:
Em 2024, a União Europeia exportou 4,5 milhões de veículos, dos quais 30% para os Estados Unidos, representando um volume de negócios de 38,5 mil milhões de euros.
Prevê-se o desaparecimento de 70 mil postos de trabalho só na Alemanha.

Mais grave ainda: as tarifas aumentam o risco de deslocalização da produção para os Estados Unidos por parte das OEM europeias.
Esse movimento terá efeitos devastadores sobre os fornecedores, que também acabarão por migrar para países vizinhos e já fornecedores dos EUA, como México, Honduras, Guatemala, El Salvador e Nicarágua.

Este é um alerta direto à economia europeia – e particularmente à portuguesa –, pois poderá impactar fortemente a nossa indústria de componentes, incluindo fornecedores TIER 1 e TIER 2.

O que fica: a desglobalização

Este acordo é desastroso para a Europa – ainda que seja um mal menor.
Uma guerra comercial seria pior e catastrófica.

Fica o acentuar, com as tarifas, de uma tendência global já instalada: a desglobalização.

Entristece-me, enquanto crente no mercado livre e global.
Sou firmemente apologista de que só na livre transação de bens e serviços todos podem beneficiar com o que os outros têm de melhor – os seus recursos locais (muitas vezes únicos), com mais qualidade e a custo mais baixo.

Pelo contrário, se produzirmos com qualidade a nível local, só um mercado global pode criar a riqueza de que precisamos.

Exemplo? A cortiça portuguesa.
Temos condições naturais e talento empreendedor para competir no topo.
Mas se o mercado fosse só o português? Seria desastroso.

A China detém a maior parte das terras raras do mundo – minerais fundamentais para a economia moderna.
São essenciais para empresas tecnológicas (chips, smartphones, software) e energia verde (carros elétricos, turbinas eólicas).

Como ficaria o nosso bem-estar se a China, um dia, decidisse fechar a porta?

O que nos ensina a História?

Na história da humanidade, sempre houve progresso e crescimento com a globalização:
Nos Descobrimentos.
Na Revolução Industrial.
No pós-Segunda Guerra Mundial.

Em sentido inverso, limitar o comércio é proteger ineficiências.
É um desincentivo à inovação.
É um incentivo à baixa produtividade.
É uma ameaça direta à criação de empregos qualificados.

O isolamento gera custos geopolíticos e reduz o bem-estar dos cidadãos.
No fim do dia, todos perdem.
E perdem ainda mais os que se autofragilizaram nas últimas décadas.