Com o mal dos outros não se governa

Tal como escrevi há um ano, por mais amargos que sejam os resultados temos de aceitar a manifestação popular que os encerra. Todos. Quem ganhou deve governar com maioria relativa e não ceder a chantagens de quem diz que ganhou, mas não ganhou.

Esta é uma oportunidade. Mais uma. Uma oportunidade para dar a Portugal um governo moderado e reformista que possa aplicar políticas públicas de qualidade e fazer as pessoas acreditar na governação. A AD tem todas as condições para governar e a oposição deve deixar, obviamente, governar.

Não obstante, Luís Montenegro é um líder completamente dependente da ausência de mais casos em torno da sua esfera pessoal. Na verdade, Montenegro tem uma missão complexa e de enormíssima responsabilidade: não deixar o sistema democrático cair nas mãos de um partido que não tem um programa de governo, mas apenas uma agenda de poder baseada no apelo às emoções e ao nosso egoísmo tribal – com tudo o que isso pode vir a significar para os direitos sociais conquistados coletivamente e consagrados na Constituição da República Portuguesa.

Queremos um país criativo e inovador, virado para a modernidade e não para o passado; um país mais livre, pleno de oportunidades, onde os direitos não vivam apenas na letra da lei e onde a segurança jurídica seja dínamo de grandes investimentos que criem empregos qualificados e bem remunerados; um país capaz de olhar para as novas gerações e de fazer crer à classe média que as suas condições de vida podem efetivamente melhorar.

Não queremos um governo radical. Queremos um governo social-democrata, que acredite no Estado e que o ponha a funcionar melhor, debelando os seus problemas crónicos e as injustiças sociais. Um governo que faça as pessoas acreditar no contrato social. Tudo isto compete não apenas ao PSD, mas a Luís Montenegro. E aqui pode estar a solução… ou o desastre.

Com efeito, o resultado destas eleições nasce do mote «Deixa o Luís trabalhar». E se o Luís não quiser trabalhar (i.e., reformar) e preferir governar à vista, não melhorando substancialmente o país, mas tentando apenas compor a sua imagem e alargar eleitorado com medidas populistas? E se o Luís fugir do escrutínio como tem fugido, alimentando suspeitas e casos que se arrastem eternamente? E se o Ministério Público bater à porta do Luís e o trabalho não tiver condições para continuar?

Na verdade, o hino de campanha parece solução para tudo: é bom que todos deixem o Luís trabalhar. Pelo menos para já. E é também avisado que o Luís trabalhe como deve ser. Caso contrário, a realidade vai engolir o Luís e pode engolir o PSD: o crescimento do CHEGA! é o denominador comum de todas as eleições legislativas em que participou até hoje e não vai abrandar com mais abstenção ou com maior ou menor tacticismo.

Ao contrário do que alguns têm vindo a sugerir, as pessoas não estão fartas de eleições. As pessoas estão fartas dos partidos do arco do poder, das suas polémicas, dos seus dirigentes e, acima de tudo, estão fartas de ser ignoradas anos a fio e de não verem investimento público relevante e significativo nos seus distritos.

Para mim é muito claro: o povo já percebeu que tem uma arma poderosa para combater o isolamento a que está votado – nuns casos, literal; noutros, metafórico. A distância entre os políticos de carreira e os cidadãos é tremenda e não para de aumentar. O povo percebeu, ao votar no CHEGA!, que é verdadeiramente quem mais ordena (que paradoxo hediondo), que faz a diferença, que causa o caos.

O apetite pelo caos vem da falta de representatividade que deriva do sistema político; da frustração fruto da perda real do poder de compra; da falta de sentido de Estado e de visão para os diversos setores da governação; da impreparação dos políticos e do consequente fracasso das políticas; da sua incapacidade de entender a vida que os seus concidadãos vivem desde que saem de casa até que regressam do trabalho ou dos vários trabalhos e respetivos turnos.

O português médio vive mal ou é remediado, enfrenta diversos problemas no acesso à justiça, à saúde, à habitação (pois claro) e até ao cabaz mais básico de alimentos. Os portugueses estão fartos de salários baixos, de reformas baixas, de impostos altos e de preços e rendas ainda mais altas. Por isso emigram, por isso se ressentem, por isso desacreditam.

Toda esta ladainha é sobejamente conhecida e debitada pelos partidos, mas a distância entre as ruas e as sedes partidárias é enorme e talvez por isso as medidas não sejam eficazes nem cheguem a quem deveriam chegar. Talvez por isso sejam outros, emergentes, a preencher essa distância com um discurso “pronto a vestir” que, quando não é tido por solução, é encarado como quebra de página e isso já basta. A verdade é que há muitos chegas, tantos quantos forem os problemas quotidianos, e todos cabem dentro dum CHEGA! universal.

Enquanto guardense, senti-me abandonado pelo anterior Governo, mas não votei CHEGA! porque ainda acredito que é possível melhorar o país com seriedade e competência. Contudo, há cada vez menos pessoas a pensar como eu. O partido ao meu lado, o PS, sofreu a ira dos que já não acreditam. O PSD terá por isso de governar bem, terá de criar pontes e terá de interiorizar que com o mal dos outros não se governa.

O mal dos partidos moderados é o mal da democracia. É preciso mais moderação e democracia dentro dos partidos e é também preciso aprofundar o “chão comum” que todos pisamos cá fora. Nenhuma vitória individual subsistirá se não soubermos interpretar o dia 18 de maio como uma derrota coletiva.