Apesar de toda a anacronia de que padece a nossa cidade (note-se que não sou de carpir os males da terra), denoto, ainda assim, fidelidade a esse bem maior que desconhece fronteiras– físicas, éticas, ideológicas, et cetera – ao longo do nosso retângulo, e que dissemina descrédito e despolitização: o mui apreciado partidarismo. Aí, a Guarda faz jus à sua altitude e a 3 dos seus 5 F´s, a saber: Farta, Fiel e Forte.
O fenómeno, por cá tão adorado quanto virulento, escusa apresentação: consiste no ingresso na carreira política – aos dias de hoje cada vez mais corpulenta essa grande porca, tão bem retratada por Bordalo Pinheiro, e alegorizada por George Orwell através dos meandros de “Animal Farm”-, como válvula de escape ou escolha de última ratio embuscado “oficio”.
Ora, concomitantemente à fecundação e nascimento, o então recém ator político – por vezes merecedor do sentido cénico – , desloca-se ao self-service que há muito frequenta, donde só sairá depois de apear com gáudio todos os pratos que o restaurante lhe apresentara, ou, como quem diz, depois de exercer todos os cargos públicos que o partido lhe dispusera. Mais ilustrativo, só mesmo a cereja: ao puxar, nunca vem só, e traz caroço.
De facto, aquilo que em tempos se afigurava a mais nobre das assunções de um cidadão em relação aos seus pares, é hoje tida inversamente: é nobre aquele que dela não faz parte, tal é o monturo. Pois é assim; e entende-se.
E é precisamente no triste campeonato do partidarismo que a Guarda tudo dá, procurando afirmar (e parece que só aí…) a sua qualidade de capital de distrito.
Mas tudo isto, tantas vezes apregoado, importa uma laboriosa reflexão, cuja conclusão é mais complexa do que aquela propensa a retirar. Lá que a política pertença aos inertes e preguiçosos, aos bacocos e incensados, há muito que foi aventado. A radiografia já foi feita, e o seu resultado é hoje lugar-comum. Saibamos, então, dar o salto e escalonar o problema, olhando para a cebola com todas as suas camadas.
Mas antes, perdoar-me-ão os mais eruditos a referência à música suburbana “Poetas de Karaoke”, (uma vez a sua intergeracionalidade), que começa com Saramago dizendo “(os escritores) não têm o direito de escrever se não têm nada a dizer”. E digo eu, os políticos não têm o direito de politicar, se não têm nada a acrescentar. Cuidam eles que, por da máquina partidária há décadas pertencerem, têm o direito à profissão: uma enfermidade moral!.
Mas voltemos às camadas da cebola. O problema resvala-se quando certos cargos políticos de natureza eletiva dependem dos partidos políticos. Por exemplo, a Constituição exige, para o cargo de Deputado da Nação, a pertença do candidato a uma lista proposta pelos partidos políticos.
Assim, os partidos políticos detêm o monopólio da candidatura à Assembleia da República, trespassando a ideia de que a tantas vezes pregada casa da democracia é, na verdade, apenas arrendada ao povo, pertencendo a sua propriedade aos partidos políticos.
Importa recordar que um princípio fundamental da dogmática jurídico-constitucional é o de que a Soberania Nacional reside na Nação. E não esqueçamos que o constitucionalismo começou sem partidarismo.
Noutros sistemas eleitorais, por exemplo, é possível uma candidatura independente da vontade dos partidos, bastando-se um número de assinaturas.
Se o dito “com grandes poderes, grandes responsabilidades” não é correspondido, importa decerto, com sobriedade e coletividade, reinventarmo-nos.
Bem andou Almeida Garrett quando afirmou que <<Uma coisa muito essencial é bem distinguir o espírito de partido, do público». Este é «expressão da opinião pública» enquanto o primeiro se reconduz à «privada opinião dos interesses pessoais.»
No entretanto, porém, mantém-se indolência a tudo isto, e só a conhecida anedota dos patos de Bocage retrata o ponto da reflexão: “afinal levo ou deixo os patos?!”