Estão à porta as eleições nos Estados Unidos. É já no dia 5 (primeira Super Tuesday de Novembro) que o planeta volta a ficar suspenso no veredito que não tem impacto apenas nos EUA.
É uma eleição global por acabar por influenciar (direta ou indiretamente) a vida de todos de cada um de nós, onde quer que nos encontremos. Nessa ótica, também diz respeito ao futuro da Guarda. Fazemos parte do Mundo. E há Guardenses em todas as partes do Mundo!
Muitos defendem, até, que o voto devia ser planetário. Mas não é, e vão ser mesmo os cidadãos americanos a decidir o futuro de todos.
Esta eleição vai coincidir com uma fragmentação histórica na sociedade americana.
É muito interessante a perceção, atual, de que não existe um eleitorado volátil, como por exemplo em Portugal onde existe um eleitorado social-democrata que alterna entre PS e o PSD e historicamente é o que decide as eleições.
A priori, nos EUA, as pessoas têm já definido se vão votar no Partido Republicano ou no Partido Democrata. Existe uma hiperpolarização na sociedade americana. E quase não existem indecisos.
Assim, a questão fulcral não é convencer o eleitorado a mudar de partido, mas sim a mobilização do seu próprio eleitorado. Este turnout, que consiste em convencer as pessoas a sair de casa para votar, vai ser decisivo. Até porque as eleições são num dia de trabalho, no inverno, a acrescentar a alguma burocracia e requisitos para a inscrição no ato eleitoral.
Um outro dado importante é o próprio sistema eleitoral. Trata-se de um dos paradoxos na maior democracia do mundo. É nitidamente arcaico e pode induzir graves distorções na representatividade dos eleitores.
A musica dos Abba The winner takes it all é uma boa analogia de como funciona o circulo eleitoral. Numa eleição estado a estado, quem ganha por um voto ganha todos os deputados.
Com a exceção de dois estados (Nebraska e Maine), nos outros 48 é irrelevante o vencedor ganhar com 51% dos votos ou com 99%, pois afere os mesmos mandatários. Ou seja, quem tiver mais votos populares poderá, apesar disso, perder as eleições. Foi assim nas eleições de 2016, com Hillary Clinton (perdeu com mais 2,9 milhões de votos), e já tinha acontecido com Al Gore em 2000 (com mais meio milhão de votos), que perdeu contra G.W. Bush.
Neste contexto, assume total relevância qual vai ser a mobilização do eleitorado que faz ganhar as eleições nos estados mais empatados nas convicções politicas (os swing states). Curioso que nos grandes estados tudo está decidido como como a Califórnia, considerada um Estado democrata, ou o Texas, que tem um histórico de votação em Republicanos.
Ora, dos 50 estados, tudo se vai decidir em sete: Arizona, Carolina do Norte, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin. Donald Trump parece ter a vitoria garantida em quatro (Arizona, Carolina do Norte, Geórgia e Nevada). Os outros três representam a blue wall (a muralha azul), cor atribuída aos democratas. São estados industriais onde tradicionalmente ganha o Partido Democrata.
Esta é a formula mais provável: para Kamala ser Presidente tem de ganhar os 3; enquanto a Trump basta ganhar um para volta a ser Presidente.
Vejamos:
No Wisconsin ganhou Trump em 2016 e Biden em 2020. As sondagens dão uma maior probabilidade de ganhar Kamala, repetindo a vitoria dos democratas.
No Michigan, Trump brilhou em 2016, ao vencer o estado onde os republicanos já não ganhavam desde 1988. Biden devolveu-o aos democratas em 2020.
Na Pensilvânia, Trump venceu em 2016 após 20 anos de vitorias dos democratas. Mas Biden ganhou em 2020.
Ora, existindo uma pequena vantagem dos democratas no Wisconsin julgo interessante uma analise mais substantiva do Michigan e da Pensilvânia:
MICHIGAN. É a capital do automóvel e do ferro. É ainda o coração do dominado Rush Belt (o cinturão da ferrugem), dado o seu enorme tecido industrial. É um bastião dos democratas, mas que dada a grave crise económica, o Partido Democrata foi vencido por Trump em 2016, na esperança duma melhoria na economia e na qualidade de vida.
Tenho, por razões profissionais, vivido uma boa parte deste ano no Michigan. Pelo que tenho lido, ouvido e conversado, existe a perceção de novas e interessantes dinâmicas de negócio neste estado. Esta tendência tem muita importância numa nova afirmação, após o colapso de Detroit umas décadas atrás.
Pela via da economia, Trump teria melhores trunfos que Kamala para vencer o Michigan. Mas noto que existe uma inquietação local perante uma possível política económica de protecionismo, via Trump. O eventual isolacionismo económico é a pior das notícias para o empreendedorismo do Michigan. Como dar dimensão e globalidade às empresas se o mercado fica encolhido? Como globalizar as grandes tecnológicas americanas como uma política protecionista?
Este é o outro paradoxo da politica económica de Trump: como coabitar o sucesso das grandes empresas que requerem um mercado global para com o “American First”?
Se Trump fechar as fronteiras aos produtos da China, e retaliação será imediata e a China fechará a torneira às importações dos Estados Unidos, colapsando as grandes tecnológicas.
Outra consequência de um eventual aumento generalizado das tarifas alfandegárias seria uma nova e significativa pressão da inflação. Pelo aumento das tarifas ou pela produção interna, os preços subiriam.
Seria ainda o engrossar das receitas do estado e detrimento das empresas e famílias – política esta que em nada se coaduna com as convicções republicanas.
Na minha opinião, esta não será uma ameaça. A narrativa de Trump apela ao “American Great again”, mas sabe que isso não é possível sem o resto da economia do planeta. Foi assim quando foi presidente. Esticou sempre a corda com a China, mas nunca a rebentou.
Por outra via, Trump poderá ter no Michigan uma vantagem no discurso da imigração. Não porque o Michigan não necessite de imigrantes para trabalhar, mas porque o discurso de Trump é eficaz no blue collar workers, ou seja, numa classe operaria maioritariamente branca.
Uma outra curiosidade do Michigan é deter a maior proporção de americanos de origem árabe. E aqui as hesitações de Kamala sobre Israel podem beneficiar Trump. A entrevista à CBS correu mal a Kamala, pois ninguém percebeu que solução defende para o Médio Oriente.
Estas são, na minha opinião, as variáveis que vão decidir o Michigan.
Recordo uma frase notável de Biden na campanha da reeleição de Obama, em 2012, que foi fatal para os seus opositores: «Bin Laden is dead and General Motores is alive».
Reeditou-se a maior das bandeiras do Michigan: a General Motors.
PENSILVÂNIA. Com 19 votos para o colégio eleitoral, vai ser o estado mais decisivo. Por isso as campanhas presidenciais dos dois partidos vão investir mais de 100 milhões de dólares, cada um, só neste estado.
A Pensilvânia representa tradicionalmente o barómetro político da sociedade Americana. Um género de representatividade política e social de todos os estados dos EUA. Mas existe uma outra grande curiosidade: a Pensilvânia é um estado com grandes centros urbanos e múltiplos aglomerados rurais. E também aqui existem uma interessante representatividade: nos grandes centros Urbanos (Filadélfia e Pittsburg) ganha o Partido Democrata e nos meios rurais a hegemonia é do Partido Republicano.
Como se decide então o vencedor?
As polls de opinião apontam que vão ser os subúrbios das grandes cidades a decidir. Ou seja, a eleição mais importante do planeta pode ser decidida pelos subúrbios de Filadelfia.
Uma analise aos dois candidatos:
KAMALA HARRIS
Não é uma líder carismática.
O vazio de conteúdo é preocupante.
Quando sai fora da nomenclatura do partido ou do teleponto, é um desastre confrangedor. As redes sociais estão inundadas de intervenções nada abonatórias na credibilidade duma candidata presidencial.
É desconfortável para Kamala ter uma retórica afirmativa de qualquer tema de economia. Foi penoso ouvi-la falar de inflação perante uma simples pergunta de um jornalista.
Kamala está longe da competência ou determinação de Hillary Clinton, e muito aquém de uma candidatura inspiradora como Barak Obama.
A sua experiencia como Vice-Presidente de Biden também nada ajudou. Todos os dossiers sob a sua alçada não correram nada bem, como a questão da imigração. Mesmo antes de ser candidata já tinha o titulo da pior vice-presidente dos Estado Unidos.
Esperava-se que iria esmagar no voto hispânico e afroamericano, mas, apesar de estar à frente, reduz significativamente a margem conseguida por Biden e Obama. O que é sintomático.
Correu-lhe bem a convecção do Partido Democrata e ganhou o debate a Trump. Noutras variáveis que não controla correu-lhe bem a notícia esta semana a morte do líder do Hamas.
Mas a partir de aí emerge uma personalidade não preparada para este grande desígnio. Esta semana, no programa 60 minutes da CBS, perante a pergunta do que faria diferente de Biden, respondeu que “não lhe vinha nada à cabeça”.
Não tem um plano, nem um projeto, nem uma estratégia para a transformação dos Estados Unidos e do mundo
DONALD TRUMP
Já o conhecemos.
Tem uma clara preferência dos americanos nas matérias de economia e imigração. Trump sempre foi um homem de negócios. Teve sucesso e os americanos gostam de quem vence na vida, mais ainda fora do circulo da política.
Para muitos Trump tem carisma e um é excelente comunicador.
Muitos dos seus apoiantes participam nos seus comícios como se idolatrassem uma estrela de rock. Existe o culto de personagem.
Tudo o resto é um problema para Trump.
Tudo o que foge da esfera da economia, é como um elefante numa loja de porcelanas. A começar pelos anacronismos difíceis de serem capturados e entendidos pelos movimentos mais progressistas dos Estados Unidos.
É aí que se manifesta a rejeição a Trump de muitas fações da sociedade. Pelo seu narcisismo. Mas principalmente pela boçalidade em muitas matérias, como a cultura e os costumes. Muitas vezes culmina num espetáculo inverosímil e cheio de contradições.
A cultura democrática de Trump esbarra quase sempre numa narrativa populista.
Por aí e para o resto do mundo, Donald Trump já perdeu.
Mas não nos Estados Unidos. É por isso mesmo julgo interessante entender esta América dos dias de hoje. Um olhar aos Estados Unidos em 2024.
Que AMÉRICA temos HOJE?
Seguramente uma América dividida. Uma América fragmentada pelas desigualdades económicas. E para muitos uma América destroçada, desesperançada, enleada num retrocesso civilizacional.
Mas depois existe a economia.
E esta é irrepressível.
A economia norte-americana é a que melhor funciona.
Basta ler, esta semana, o relatório Draghi sobre a competitividade da União Europeia, a pedido de Ursula von der Leyen.
A conclusão é inequívoca: a Europa ficou dramaticamente para trás em relação aos Estados Unidos.
Draghi avisa: “Chegámos a um ponto em que, sem ação, teremos de comprometer o nosso bem-estar, o nosso ambiente ou a nossa liberdade”
Os Estados Unidos estão num outro patamar superlativo: no crescimento, na inovação, na flexibilidade, e no valor acrescentado á cadeia de valor do que produz.
As métricas são incomparáveis.
Mas existe um só calcanhar de Aquiles na economia americana: as colossais assimetrias.
As desigualdades acentuaram-se, entre regiões e, principalmente, na estratificação da sociedade.
Por exemplo, todos nos lembramos do movimento “Ocupem Wall Street” legitimado pela barbaridade de 1% dos mais ricos deterem 90% da riqueza criada!
Mas sejamos justos. Os problemas da sociedade Americana não começaram quando Donald Trump foi Presidente dos Estados Unidos. Além disso, Trump deixou uma economia com uma notável performance entre 2016 e 2020.
Existem duas Américas destintas e até antagónicas. Por um lado, existe uma América Progressista, Cosmopolita, Inovadora, Desenvolvida, Aberta e Tolerante. Do outro lado existe uma América Profunda, Conservadora, Retrógrada, Rural, Intolerante e profundamente Religiosa.
A primeira América está concentrada nas duas costas (Este e Oeste) e nos grandes centros urbanos. A outra América profunda encontra-se nos estados interiores como Kansas, Oklahoma, Colorado, Arkansas e Arizona.
Também por aqui existe um voto eleitoral polarizado que à partida diferencia os dois grandes partidos, entre conservadores e progressistas.
Há, contudo, outras dinâmicas importantes na sociedade Americana, que poder levar a uma mutação de voto em grupos homogéneos.
O Partido Democrata diminui a mobilização no voto latino em prol dos republicanos de Trump.
O estado da Florida deixou de ser um swing state e tem hoje uma considerável hegemonia republicana
Outro voto relevante é o religioso.
E aqui o voto católico está amplamente dividido.
Existe uma corrente progressista que valoriza a doutrina social da Igreja, de combate à pobreza e às injustiças. E por outro lado uma corrente mais conservadora com um foco acrescido na moralidade sexual, no aborto e nos comportamentos individuais.
Biden ganhou o voto católico com uma margem curta.
Outras variáveis provocam uma fratura entre os dois grandes partidos. Uma delas tem a ver com o belicismo republicano, como a guerra das estrelas do Presidente Ronald Reagan, que foi penosa para as contas públicas. O outro momento foi a guerra do Iraque, a reação a supostas provas da existência de armas de destruição maciça.
Curioso que Donald Trump não teve os desvarios bélicos dos seus antecessores (quer republicanos, quer democratas). É factual que não envolveu os EUA em novos conflitos.
É um trunfo dizer que, durante a administração Trump, Putin não invadiu ou anexou nenhum outro estado de direito. E isso empolga o ex-presidente a agora candidato! Ao ponto de pensar que resolverá a guerra da Ucrânia em 24 horas! É uma mensagem eficaz em muitos setores, pois baliza uma eventual solução de dissuasão sem a utilização das armas.
A outra curiosidade é que Trump é um moderado em relação à fação mais radical do Partido Republicano, o “Tea Party”, que tem como princípio basilar uma sociedade anárquica e sem impostos, ondem imperam e emergem apenas os mais fortes.
O que é MAIS IMPORTANTE para os Americanos?
O dinheiro que têm no bolso.
A economia.
E por aí se mobilizam ou não para ir às urnas.
Curiosamente, e excecionalmente, não foi assim em 2020 e poderá não ser assim em 2024.
A economia em 2020 tinha com Trump um dos maiores ciclos de expansão da história. Em 2024 a economia americana é, também, a única que funciona.
Então por que perdeu Trump em 2020 e por que é provável ganhar Trump em 2024?
Por fatores inéditos e excecionais.
Em 2024, Trump perdeu pela crise do Covid e pela sua gestão desastrosa da pandemia.
Em 2024, o Partido Democrata pode perder, também, por gestão desastrosa dos seus candidatos. Não reagiu a tempo ao problema de saúde de Biden. E depois quando o fez não conseguiu encontrar um candidato forte e carismático.
A segunda maior preocupação dos americanos é a imigração.
Este tema favorece claramente os republicanos.
Só que Trump pode estar a exagerar na dose.
Uma deportação de imigrantes em massa (20 milhões, como defende), não só não representaria o colapso da economia como não seria possível sob qualquer quadro legal.
Só que Kamala em nada beneficia deste desvario de Trump, uma vez que dossier da imigração correu-lhe muito mal, enquanto Vice-Presidente.
O que ESPERAR desta ELEIÇÃO?
Que quem ganhe o faça por uma margem clara e incontestável.
Que acontecimentos com a invasão ao cCpitólio sejam irrepetíveis.
Que não se acrescente mais instabilidade à atual instabilidade global.
Kamala Harris ganhou vantagem logo após a conversão democrata. Só que o efeito novidade é muito efémero. A partir de aí valiam a suas aptidões, mas estas mostraram-se muito frágeis.
E Trump recuperou.
Julgo que o cenário mais provável é uma ligeira vitoria de Kamala no voto popular e de Trump no colégio eleitoral (um género de reedição da eleição de 2016).
Por isso existe uma elevada probabilidade de Trump voltar a ser o Presidente dos Estados Unidos da América.
Tudo será decidido no Michigan e na Pensilvânia, pelos fundamentos que aqui procurei partilhar.
Este é um tema que a todos diz respeito.