Escrevo esta crónica enquanto cidadão livre, mas também enquanto militante do PSD (n.º 254579). Numa situação que não beneficia nada o meu partido e os atores políticos que corporizam (ou pretendem corporizar) as ideias com as quais mais nos identificamos na política, temos um dever redobrado para com a nossa coerência e honestidade intelectual.
Como cidadão, analiso mais uma crise com profunda desilusão e descrença na política nacional. Como militante do PSD e da JSD, só posso manifestar a minha estupefação com o dirigente máximo do meu partido pela sua falta de sentido de Estado e de aparente idoneidade para o exercício das funções públicas que lhe foram confiadas.
Julgo que a maioria dos portugueses estaria disposta a dar o benefício da dúvida ao Primeiro-Ministro, mas julgo que ninguém entende a ânsia do próprio e a descoordenação coordenada dos membros do Governo que atiram em todas as direções para baralhar a opinião pública e a oposição, procurando forçar eleições.
Luís Montenegro trouxe os seus problemas pessoais para a política. A sua conduta abalou o Governo, está a abalar o país, mas parece não abalar o partido. Diz agora que será candidato mesmo se for constituído arguido. Serei o único a crer que as consequências destas palavras são imprevisíveis e inevitavelmente graves?
O PSD está disposto a apoiar, em eleições, sem reservas; a fazer campanha eleitoral; a convencer o eleitorado a votar num possível arguido? Abre-se um precedente sem paralelo na democracia portuguesa. Tais declarações são estapafúrdias, desesperadas e inqualificáveis. Tudo aquilo que se disse sobre António Costa e o Partido Socialista acaba de cair em saco roto. Tudo aquilo que se exigiu aos candidatos autárquicos com problemas na Justiça é letra morta.
Numa situação desta natureza, as eleições não resolvem absolutamente nada. Legitimidade não é legitimação. Um Primeiro-Ministro não pode querer resolver os seus problemas de credibilidade nas urnas, de forma fútil e inconsequente. O poder pelo poder nada mais é do que um exercício egoísta e avesso aos deveres de um estadista.
Luís Montenegro não quer governar mais. Quer eleições. Luís Montenegro quer ir de terra em terra, de casa em casa, explicar aos portugueses o que fez, mas preferia não ir a uma eventual comissão de inquérito se tal fosse possível. Luís Montenegro quer que todos acreditem no que diz sem explicar detalhadamente que serviços prestou, a quem, quando, como, com quem, porquê, onde e com que diligências.
Quem não deve não teme. O Primeiro-Ministro pode fazer negócios ao longo da vida, mas não pode servir-se da sua influência política para tal. Não pode também fazê-los indiretamente, através de uma empresa, enquanto Primeiro-Ministro, porque isso redunda num óbvio conflito de interesses que viola a lei da exclusividade prevista no regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.
Se o PSD está silente e tolera esta atuação sem a questionar, então talvez esteja na hora de questionar o que é, hoje, o PSD. Eu não quero um partido que se cala e que tudo aceita acriticamente quando a polémica estala na sua própria casa. Eu quero um partido onde imperam os princípios e a ética republicana, capaz de lidar com os seus próprios problemas, questionando-os e esmiuçando-os.
Ao apelo “quem tentar, morre!”, atirado de cima para baixo, para que ninguém ouse pôr em causa o Presidente do partido, eu digo, como disse Sá Carneiro, que “o que não posso, porque não tenho esse direito, é calar-me, seja sob que pretexto for” e muito menos numa altura em que se joga a saúde da nossa democracia.
Exijo ao líder do meu partido; ao meu Primeiro-Ministro; um esclarecimento sério e detalhado de toda a sua atividade empresarial. Não exijo eleições. As instituições funcionam e têm cumprido o seu papel. A Assembleia da República, o Governo e o Presidente da República nada têm a ver com os problemas do Primeiro-Ministro Luís Montenegro.
Não é o país que tem de escolher agora uma nova composição da Assembleia da República, porque isso é um absurdo. É Luís Montenegro que tem de nos provar que tem condições para continuar a governar Portugal. Caso delas não disponha, só tem uma saída possível: retirar-se da cena política e dedicar-se exclusivamente à sua atividade profissional.