A Guarda que queremos

Enquanto jovens, temos, hoje, nas nossas mãos, a possibilidade de idealizar e exigir a Guarda que queremos. Por mais tortuoso que seja o caminho, há que percorrê-lo e rapidamente, porque outros, com menos potencial do que nós, já vão bem mais avançados. Não podemos ter vergonha de querer e de ambicionar em toda e qualquer área. Na Guarda, como em todos os territórios, há pessoas à espera de chamamento e múltiplas vantagens que aguardam destaque e fruição por um público-alvo que não hesitará em procurar-nos.

A primeira prioridade, no meu entender, tem de ser a fixação dos nossos licenciados. Para isso, seria necessário elaborar um estudo estatístico dos licenciados e futuros licenciados do nosso concelho e apostar decisivamente na atração de empresas estratégicas que pudessem fixar cá o maior número possível. Há que começar por algum lado, para depois colher os frutos, alargar o espectro e, com isso, a oferta. Contudo, para se poder sonhar alto, não bastam medidas de índole fiscal. É preciso mais. É preciso transformar a Guarda digitalmente e torná-la uma cidade moderna e “intuitiva”, preparada para receber todo o tipo de pessoas e empresas e, principalmente, aquelas que mais nos interessam – as de atividades de elevado valor acrescentado. É aqui que está o grande desafio. Saúdo, por exemplo, a aposta na cerveja e nas marroquinarias, e que venham mais, mas acho que a Guarda consegue atrair também outro tipo de indústrias. Temos de ser cada vez mais competitivos. Custe o que custar. É preciso sair da nossa zona de conforto e procurar saber o que outros concelhos, por esse país fora, têm feito e estão a fazer nas mais diversas áreas, com destaque especial para a inovação e especialização tecnológica. Não estou com isto a pedir que se invente a roda ou que se procure a homogeneidade e a cópia simplista do que já se faz – peço que se fomente, na Guarda, e partindo que já temos de melhor, um tecido empresarial diferenciado que possa trabalhar conjuntamente, numa lógica de cooperação e até, por vezes, de complementaridade, com o de outros municípios perto do nosso, e não só.

Precisamos, na Guarda, de empresas dedicadas a atividades de investigação científica e desenvolvimento, para que se possam aqui fixar mestres e doutorados; empresas que sirvam de respaldo a outras, tecnológicas (na área da informática e programação, agrotech, mobilidade, robótica, mas também na de cuidados remotos de saúde, soluções de eficiência energética e hídrica, turismo, tratamento de resíduos, economia circular, energias verdes, etc.). A hora a que escrevo é já avançada, mas podia estar aqui a noite toda. É preciso uma estratégia clara e objetiva, que esteja acima dos ciclos políticos. A Guarda não se compadece com marcha atrás, com a passagem displicente do tempo, e muito menos com falta de rasgo. É preciso estratégia que ponha na ordem do dia o combate às nossas maiores fraquezas e aos fatores que mais ameaçam o futuro do nosso concelho: a falta de mão de obra qualificada, o envelhecimento populacional e a degradação dos serviços públicos, com a saúde à cabeça. A Guarda vive uma batalha interior que, infelizmente, terá poucos soldados motivados: uns, porque são já de outra geração e estão agarrados ao passado e ao saudosismo do D. Sancho no centro da praça, dos bancos do jardim José de Lemos e das poltronas do Hotel Turismo. Outros, porque são desta e se recusam a acreditar na mudança que nunca julgaram e julgarão possível, porque há forças nesta cidade que os empurram – uns para baixo, e outros para fora.

I have a dream… Uma cidade multicultural, cheia de outras nacionalidades, viva, repleta de massa crítica e aberta à mudança. Uma cidade empenhada em criar e ousar, com uma visão de projeto estribada em três vetores essenciais: jovens e empresas, aliados à unicidade do nosso território. Território que proporciona uma História e cultura únicas a quem o visita, qualidade de vida para quem nele vive ou queira viver, produtos endógenos e património material e imaterial de enormíssimo relevo – repito – enormíssimo relevo. O que poderíamos acrescentar a esta lista, caso houvesse, para isso, vontade? Desde logo, um desenvolvimento sustentável do nosso parque urbano, com oferta sólida de habitação “jovem” e residências estudantis e artísticas, mais equipamentos e infraestruturas à disposição dos agentes culturais e económicos, mais parceiros estratégicos (academia, empresas e cidades portuguesas ou estrangeiras), mais abertura ao desconhecido e vontade de patrocinar fortemente o ensino profissional, superior e o empreendedorismo nas suas mais diversas vertentes. De facto, dir-me-á o leitor que falar e papaguear umas coisas aqui é muito fácil. Contudo, o problema é mesmo este. Na Guarda, pouco ou nada se tem ouvido falar destas temáticas. Fala-se, sim, mas pela rama. Para parecer bonito, como se todos tivéssemos a necessidade de surfar, periodicamente, ondas de chavões. Quais seriam os chavões em 2002? E em 2009? E em 2014? Chavões há e haverá sempre, mas o que falta à Guarda é estratégia que não se reduza à alocação de fundos para a manutenção do poder a quatro anos. Estratégia que nos ponha a marcar pontos a nível nacional, para que não estejamos condenados a ter, para sempre, a mão estendida, à espera das migalhas que nos dão.

Por falar em migalhas, está aí uma gorda, que pode servir de trave-mestra para o futuro e, diga-se de passagem, para tudo o que tenho vindo a apontar. Falo, claro está, do porto seco, cujo debate se tem reduzido a nenhum debate, e que porá à prova a capacidade dos nossos autarcas. Com a Guarda a servir de único hub de distribuição nacional e internacional de mercadorias no interior do país, deixa de haver desculpas. Temos de tirar enorme partido desta realidade, lutando para fixar o maior número possível de empresas à volta dela. Porquê? Porque terão a possibilidade de eliminar custos de contexto, dado que num porto seco será possível realizar um efetivo controlo aduaneiro das mercadorias a exportar e porque, desde logo, se reduzem custos com o trânsito, tratamento e armazenagem das mesmas. Contudo, não nos bastará o porto seco, nesta visão tradicional de deslocação de mercadorias. A Guarda, tendo o primeiro (e até agora único), terá também de ser uma zona única, aberta a todas as atividades, com condições fiscais muito próprias (promovidas pelo Estado central e pela autarquia), para que aqui 1) tenhamos mais empresas (grandes, daquelas que queremos atrair) a fabricar para depois exportar através do porto seco e 2) empresas cujo propósito seja dar um novo fim ao desperdício das maiores, aproveitando-o, no todo ou em parte, para o fabrico de outros produtos também a exportar, cimentando a economia circular e tirando ainda mais proveito de uma infraestrutura logística que, por si só, já será benfazeja ambientalmente, visto que as mercadorias serão escoadas pela ferrovia. Fiscalidade, empresas e ambiente em perfeita harmonia, numa cidade onde pode passar, finalmente, parte do futuro do país. Basta que haja vontade política a vários níveis. Eu acredito.

Para primeira nota, gostava de salientar um nome que nos deixa, a todos, de queixo caído e, já agora, roídos de inveja (daquela positiva). É chover no molhado e é muito fácil estar aqui com esta conversa, mas, de facto, este homem não para de nos surpreender. O seu nome é Paulo Fernandes, é presidente da Câmara do Fundão, e é, talvez, a pessoa que mais me faz acreditar na força transformadora e decisiva da política local. No Fundão, as empresas são como as cerejas, e a LabsXD vai reforçar a sua aposta nesta terra, prevendo criar 450 postos de trabalho (a ver vamos) tecnológicos nos próximos cinco anos, integrados num projeto que conta com espaços para incubação, aceleração e acolhimento de empresas, áreas formativas, zonas de coworking e oferta habitacional. Nessas áreas formativas, não haverá, por acaso, vagas para o nosso executivo municipal e para tantos outros das Beiras e Serra da Estrela?

Depois, lamentar não poder ter estado presente no primeiro concerto de verão da Orquestra Académica Filarmónica Portuguesa, no TMG. Não sou ninguém para falar de cultura e confesso-me um perfeito ignorante. Não faço política com a cultura, mas, se fizesse, faria sempre da cultura a minha primeira política. Contudo, há quem faça, e há quem desdenhe, continuamente, daquilo que foi a candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura 2027. Espero então que esses desdenhosos tenham tido a oportunidade que eu não tive, na passada quarta-feira, de assistir de cadeirão ao concerto, e educar-se sobre aquilo que são as externalidades positivas do que tanto criticaram e criticam. Continuarão a falar em “dinheiro esbanjado” e em outras coisas que tais, porque é uma agenda que lhes convém. Contudo, a orquestra aí está, veio para ficar e só lhe desejo os maiores sucessos por esse país fora, até porque tenho amigos que a integram e dos quais muito me orgulho!

Para finalizar, é com satisfação que vejo que há planos para o Bairro da Fraternidade. O Município adjudicou, na semana passada, um projeto de arquitetura para obras de edificação de oito edifícios de habitação coletiva, num total de 50 fogos. Muito bem! Muitíssimo bem! Espero que as obras arranquem rapidamente e assim que estiver concluído o dito projeto. Pôr as máquinas no terreno em 2025 daria jeito, mas as pessoas não são um joguete e não podem esperar mais. Executem depressa.