Também se envelhece na aldeia

Sou um apreciador nato das vivências, relações sociais e tradições das aldeias. Isto em muito se deve ao facto de desde criança ter tido convivências com esta realidade.

Penso que não discordam se afirmo com convicção que as nossas aldeias são ricas, mas muitas das vezes não lhes damos o devido valor. Hoje resido numa, bem perto da cidade da Guarda, onde a qualidade de vida em nada se compara à vivência na cidade!

Daí o tema desta crónica: o envelhecimento em meio rural.

Será assim tão diferente envelhecer em meio rural ou em meio urbano? O que há de positivo e de negativo?

Antes de mais, deve mencionar-se que a autonomia das pessoas idosas e a manutenção da sua qualidade de vida passa também pela permanência no seu meio relacional.  O Ser Humano, independentemente da idade, é um ser social, devendo estar inserido num determinado meio social.

O contexto em que uma pessoa se relaciona interfere tanto nas relações sociais, como no próprio processo de envelhecimento.

O Idoso torna-se mais sensível ao meio ambiente, meio que se torna um agente relevante na promoção do seu bem-estar. Imaginem o que é um idoso que sempre viveu numa aldeia, passar por exemplo os seus últimos anos num lar de uma grande cidade. É descontextualizado.

Neste sentido, é necessário encetar conhecimentos em torno do processo de envelhecimento em meio rural, percebendo as suas especificidades, uma vez que o homem não é mais do que um elemento, num conjunto em que o ambiente desempenha um papel importante no seu bem-estar e na sua própria saúde.

Cada vez mais caminhamos para um desinvestimento nesta franja da população, sendo as características rurais e o próprio conceito de Idoso “carregado” com estereótipos negativos, que não traduzem o que deveria ser um envelhecimento ativo e um bom relacionamento interpessoal.

Neste palco que é o envelhecimento em meio rural, aquilo que mais admiro é a preocupação que existe de umas pessoas para com as outras, bem como o sentido recíproco de alerta, que sempre está apurado. Basta tocar o sino e as pessoas já sabem que algo se passa. E quando já vão passados dois dias desde a última vez que o “Senhor António” foi visto, todos ficam preocupados. Numa grande cidade isto não acontece, muito devido ao facto de as pessoas não se conhecerem, mas também por não se cultivarem relações de proximidade e de confiança.

São recorrentes as más notícias, e recordo-me particularmente de uma, pois foi um “murro no estômago”. Relatava a situação de um Idoso morto dentro de um apartamento em Lisboa, só descoberto no dia em que as Finanças e a Polícia Municipal foram ao apartamento para executar uma penhora devido a atraso em pagamentos que resultavam do facto de… estar morto! Os promotores imobiliários querem os idosos fora das zonas da moda, porque têm rendimentos baixos. E os que resistem vão deixando de ter com quem conversar. A isto associa-se a pobreza, a falta de afeto, o medo, a demência.  

Envelhecer numa grande cidade pode em grande medida ser sinónimo de solidão, isolamento e ansiedade. Comparativamente com o envelhecimento em aldeias. Também não estou a dizer que a aldeia é um lugar perfeito para os séniores.  Não é.  A primeira desvantagem é a distância em relação a um hospital ou a qualquer serviço público.

Posso ainda acrescentar que a maioria das pessoas idosas que vivem em meio rural está longe das famílias, permanecendo estas em grande parte do tempo ausentes da vida do idoso.

O envelhecimento em meio rural necessita, pois, de uma reflexão urgente, uma vez que a tendência é para que este cenário se acentue.

É imperativo potenciar e criar condições para que as pessoas idosas permaneçam integradas socialmente e que ao mesmo tempo se possa garantir a sua participação nos processos de decisão da vida coletiva.

Nas aldeias, as Juntas de Freguesia e até mesmo as associações locais devem próprias assumir uma congregação de esforços e uma missão também social, tentando compreender as necessidades e atuar sobre elas.

Em suma, atrair jovens para as aldeias, atenuando o despovoamento, desenvolver o espírito cooperativo e solidário nas aldeias, organizar ações contínuas de apoio social, são pilares para que o mundo rural se afirme como espaço de envelhecimento ativo. 

O grande problema com o envelhecimento é entender o lugar do idoso na sociedade.

As aldeias podem funcionar como lugares de qualidade e autonomia nas últimas idades.