O postal do semestre

Os acontecimentos, os factos e a minha análise. O nosso mundo na metade decorrida desde 2024.

1. CHEGA

Neste semestre findo, o Chega foi o protagonista da vida política nacional, bem como objeto duma notoriedade singular dada pelos media.

Como se explicam os 50 deputados nas legislativas?

Ao contrario da maior parte das pessoas, julgo que o Chega não é uma ameaça à Democracia.

O Chega não assenta em qualquer matriz ideológica que possa por em causa o sistema tal como o conhecemos. Não como o VOX em Espanha, que tem convicções fraturantes na mudança da sociedade e dos costumes, como na abolição de políticas públicas na saúde e educação.  Menos ainda em comparação com a extrema direita alemã AfD (alternativa para a Alemanha), que se vincula a um passado nazista e que tem como propósito a alteração dos tratados europeus, como a supressão do euro por moedas nacionais.

Existem, hoje, vários patamares de extrema direita na Europa e o Chega está seguramente na parte mais moderada na conotação ideológica, provavelmente num patamar análogo com Giorgia Meloni, em Itália.

Mas não é a questão ideológica a substância do Chega.

Vejamos.

O Chega começa e acaba em André Ventura. O que vale André Ventura? Vale muito. Pela sua inteligência. Pelos seus atributos de comunicação. Pela coragem de dizer o que muitos pensam e não dizem.

Tudo isto seriam atributos positivos, seguramente. Mas não são esses que moldam o sucesso de André Ventura.

A visão oportunista em ocupar espaços e brechas que a sociedade aliena explica as vitórias diárias de André Ventura.

A Democracia, sendo o melhor modelo social que conhecemos, é simultaneamente um modelo preenchido de imperfeições. Assim, o Chega é o portador de todas as falhas e imperfeiçoes do regime. Em cada falha na Democracia, André Ventura aponta uma solução fácil. A questão é que os problemas são cada vez mais complexos e requerem cada vez mais soluções difíceis.

Governar significa cada vez mais desagradar, mas o Chega tenta agradar na sua retórica. Utiliza uma fórmula eficaz: todos os problemas existem porque existe corrupção. Logo, passa a ideia de que anda tudo a “gamar” e que com ele iriam todos para a cadeia, e por isso haveria dinheiro para tudo e para todos.

Para cada dificuldade, André Ventura apresenta uma solução fácil, logo é o mensageiro da ilusão. Esta ilusão é a forma eficaz com que chega às pessoas. E, claro, funciona. Mas só funcionará até ao dia em que Chega alcançar ao poder.

Existe uma parte do discurso muito análoga ao do Bloco de Esquerda antes de ter viabilizado uma solução de governo. Eu sou dos que seguem a perceção de que uma grande parte do eleitorado do Bloco de Esquerda se transferiu para o novo partido do protesto e antirregime: o Chega.

O Chega foi também acolhedor de um eleitorado desiludido com o projeto social-democrata (do PSD e do PS), como também de um outro eleitorado saudosista do Estado Novo que já se não revia nos partidos.

Este é o paradoxo com difícil explicação: dá-se importância aos desalinhados pela via da demagogia, sem preconceitos de expor o lado da fraqueza humana, com a promessa de soluções fáceis. Ora, este é o expoente máximo do populismo.

Por que vence André Ventura?

Vejamos.

André Ventura, uns anos atrás, “dava a vida” pelo Benfica como comentador. Até faltou a um debate para eleições legislativas (ainda o Chega não tinha expressão eleitoral) para estar presente num programa de comentário de futebol.

Alguém voltou a registar-lhe algum interesse no Benfica nos últimos tempos?

Para se perceber este raciocínio, dou outro potencial exemplo de oportunismo. Estou convencido de que se o espaço extrema direita já estivesse ocupado André Ventura lutaria com a mesma convicção por um qualquer outro espaço político que não tivesse representatividade no nosso País. Um partido verde e ecológico, por exemplo. E estaria a proferir as mesmas ou outras mensagens com a mesma convicção.

O Chega é um partido populista, mas que na minha opinião se esgota no oportunismo, aproveitando-se das fraquezas da Democracia, sem a conseguir colocar em causa.

2. NOVO GOVERNO

Neste semestre inverteu-se o ciclo político.

O primeiro mês foi desastroso na articulação política e em casos e casinhos, parecendo que a ação do novo governo tinha o desígnio de contra-atacar a oposição.

Depois melhorou. Os anúncios de grandes obras e outras medidas ajudaram.

Mas agora requer-se uma nova dimensão: governar. E num pressuposto inegociável: as contas certas.

Julgo que o governo terá tempo, pois não acredito que o próximo orçamento seja inviabilizado.

Deixo aqui a minha avaliação dos ministros.

Muito Bom: Pedro Duarte

Bom: Dalila Rodrigues; Maria Graça Carvalho

Razoável: Fernando Alexandre; Castro Almeida; José Manuel Fernandes

Suficiente menos: Joaquim Miranda Sarmento; Leitão Amaro

Precisam de melhorar: Miguel Pinto Luz; Paulo Rangel; Margarida Balseiro; Nuno Melo

Ainda sem opinião: Rita Júdice; Pedro Reis; Rosário Ramalho; Ana Paula Martins; Margarida Blasco

Lamento muito que a grande estrela não tenha surgido: Paulo Macedo nas Finanças.

Espero que alguns ministros melhorem a performance e cumpram as expetativas.

Precisamos de estabilidade e competência.

3. INTERIOR

Uma boa noticia se confirmou neste semestre: a abolição das portagens nas autoestradas do Interior. Esta é uma medida pragmática que ajuda a fixar e a atrair pessoas. Não interessa se esta decisão veio de uma maioria parlamentar na oposição ou do governo.

Governar não é aplicar o princípio utilizador pagador. Isso faz a economia nos diferentes domínios. Governar é fazer opções, em prol de um modelo de desenvolvimento.

Não conheço nenhum país no topo do desenvolvimento que tenha assimetrias regionais. O mecanismo de combate às desigualdades passa por descriminações positivas, com o intuito de melhorar a vida das pessoas do Interior e por consequência as dos grandes centros urbanos. Passa pela descentralização de serviços, pela digitalização e pelo incentivo à mobilidade e a novas formas de organização do trabalho. No mundo global e cada vez mais digital não existe interioridade. O que falta então? A complementaridade na atratividade dos territórios de pessoas. É preciso convencer as pessoas das virtudes do Interior, desde logo pela possibilidade de maior qualidade de vida. É necessário tomar iniciativas locais e regionais com esse fim: equipamentos culturais, sociais e dinâmicas empreendedoras que podem gerar atratividade. Existem instrumentos políticos e orçamentais, assim haja vontade e estratégia.

Faltam políticas públicas e falta atrair massa crítica. Massa critica para, por exemplo, criar marcas. Quantas marcas foram criadas a partir do Interior?

É também preciso um quadro fiscal competitivo para as empresas que operam no Interior.

4. ANTÓNIO COSTA

António Costa foi nomeado Presidente do Conselho Europeu. A primeira coisa que me ocorre é que este é um rasto notável que um pequeno país consegue na eleição de personalidades com relevância planetária: Durão Barroso para presidente da Comissão Europeia durante 10 anos; Freitas do Amaral para presidente da Assembleia Geral da ONU; Mário Centeno Presidente do Eurogrupo; e António Guterres para Secretário-Geral da ONU.

Por outro lado, os novos grupos parlamentares do arco da governação do Parlamento Europeu têm vice-presidentes portugueses.

O Conselho Europeu não é um órgão executivo, mas reúne os chefes de estado e de governos. Logo, é um cargo de negociação política de procura de consensos. Este é o perfil de António Costa.

Costa teve até o apoio de Orban! Costa é um fazedor de geringonças que pode ser muito útil a uma Europa complexa e dividida.

Nota muita positiva para o governo português, que apoiou e influenciou esta nomeação.

Que desafios?

Desde logo o crescimento de franjas ideológicas extremistas e eurocéticas.

A agenda europeia até 2029 coloca a tónica nas migrações, na transição energética e no alargamento, com especial enfoque na Ucrânia. Isto pode criar algum desconforto a António Costa, se o entendimento for o da canalização dos apoios para o alargamento a leste, diminuindo os fundos para países como Portugal.

António Costa vai ter desafios muito difíceis, mas ao encontro da maior das suas capacidades: a eficácia e determinação na negociação.

5. COOPERAÇÃO OU PROTECIONISMO?

Hoje já se paga 10% sobre todos os carros importados de fora do espaço europeu. Esta medida, da União Europeia, acresce até 38% as tarifas se os mesmos automóveis forem elétricos e provenientes da China. A UE fundamenta tal medida nos apoios ilegais do governo chinês, tais como financiamentos subsidiados ou benefícios fiscais injustificáveis. Mas não são apenas estas razoes que na minha opinião tornam os carros chineses ultracompetitivos.

Existem os fundamentos meritórios para a China, que tem a haver com processos de gestão competentes e modelos de negócio com focos em técnicas Lean, ou na cultura de eliminação de desperdícios em todos os processos (produção e serviços).

Mas existem outros factos menos abonatórios. Os custos são menores se não existirem preocupações ambientais. É curioso observar como a China aproveita a transição energética como um negocio para vender carros, mas sem qualquer preocupação ambiental na produção e em toda a cadeia de valor.

Os custos são menores quando não existem preocupações nas condições de trabalho oferecida. Turnos de 10 horas de trabalho diário (incluindo sábados), sem climatização e sem condições socias. Os custos ainda são menores quando, infelizmente, suportados em trabalho infantil.

A UE procura proteger-se. Desde logo quando trabalham no setor automóvel cerca de 13 milhões de pessoas!

Ora, esta medida protecionista elemina a maior das ameaças pela via de um concorrente ultracompetitivo nos custos.

Basta comparar, em termos de preço, o sucesso chinês do BYD (“Build Your Dreams”) com o um TESLA ou outro qualquer carro elétrico.

Eu sou dos que defendem que o consumidor é beneficiado quando a economia se abre e não se isola. Por isso acredito na globalização. Se alguém no planeta produz com qualidade e a um preço competitivo, porque é que o resto do planeta não pode beneficiar desse produto? Porque é que os consumidores não podem melhorar o seu poder de compra?

Sim, mas as regras têm que ser as mesmas: as regras no combate às alterações climáticas; e todas as outras regras onde no trabalho se joga a dignidade humana.

Bola Verde

Para o EQUILIBRIO MACROECONOMICO. A Comissão Europeia passa a incluir Portugal no grupo de Países com equilíbrio macroeconómico. Ou seja, o nosso país sai da lista negra. O bom caminho feito, que todos entendem, tem a ver com a redução da dívida (pública e privada), pela via dos excedentes orçamentais. Esta não é uma performance conjuntural: se o fosse não teríamos outros país a fazer a trajetória inversa com défices excessivos.

Para o GOVERNO no anúncio do NOVO AEROPORTO. O anúncio do governo fundamentado por uma comissão técnica independente é uma excelente notícia para país. Um género de pacto de regime (entre PS e PSD) que venceu um “crime” que tanto lesou e lesa o interesse público.

Para ANA MENDES GODINHO. Deixou de governar, mas não deixou de se interessar pelas mesmas causas. Um compromisso singular com o Interior. Fez um excelente trabalho como ministra e é um dos rostos que mais pode contribuir para a mutação desejável no futuro do Interior. Requer-se alinhamento estratégico com a massa critica das gentes do Interior, que existe, para a conceção de um projeto mobilizador para o futuro.

Para as UNIVERSIDADES Portuguesas. O Financial Times publicou o ranking mundial das melhores universidades em mestrados de finanças. Desatam-se quatro universidades:  a Nova, o ISEG, a Católica, e a do Porto. A Nova SBE entra no top 10, em sétimo lugar. Vários critérios:  mobilidade, experiências internacionais dos alunos, empregabilidade, corpo docente e até a pegada de carbono. Muito bom. Prestigio, qualidade de ensino contribuição para a economia nacional. Somos bons em contas e não só!

Para a SELEÇÃO NACIONAL. A nossa seleção está, nos últimos anos, no topo das melhores do mundo. Sempre nas fases finais das grandes competições. Perdemos (injustamente) com França na tenda dos penalties e com uma bola na trave. Este é um produto de excelência que prestigia o país e contribui para a economia. Em quantos outros setores de atividade estamos a este nível? Não posso deixar de registar os lamentáveis ataques à seleção nacional e a Ronaldo.  Para muitos, percebe-se a sede de protagonismo. A sua insignificância e pequenez é tão grande que julgam que basta falar mal de Ronaldo para lhes direcionarem os holofotes. Triste.

Bola Vermelha

Para BIDEN. Perdeu claramente o debate com Trump. A idade não é necessariamente uma perda de vitalidade. Mas o vacilar e a perda de raciocínio deixou o Partido Democrata em estado de alerta. Até porque Biden tinha trunfos inatacáveis como a performance da economia.

Normalmente o status da economia é diretivo para as eleições americanas. A economia recuperou e recomenda-se. Cresce e gera emprego a níveis históricos. Os mercados financeiros estabilizaram e as bolsas batem records em Wall Street.

Estes factos poderão esbarrar nas fragilidades físicas e lapsos penosos para um candidato credível. Até ao ponto que foram irrelevantes as 30 mentiras de Trump (contabilizadas pela CNN)!

Este “combate de boxe” deixou Trump vencer. Biden justificou-se com o jet lag após viagem à Europa.

Pode até ser uma explicação, mas a perceção que deixou foi de enorme fragilidade.

Na minha opinião Biden deve ir a votos.

Seria uma enorme irresponsabilidade do partido democrata avançar para um novo líder. Por varias razoes: pelo timing da eleição. Porque não existem outros candidatos. E porque Kamala Harris não é opção. Não se afirmou. E tal foi a desilusão, que fica na história como provavelmente a pior vice-presidente dos Estados Unidos.

Trump tem caminho aberto para vencer em novembro.

Para o DÉFICE no primeiro trimestre. A que se deve? Ao abrandamento em simultâneo da economia e da inflação. O impacto é do lado da receita com a coleta de menos impostos. Mas, também, porque o Estado engordou. As prestações sociais (pensões) aumentaram 12%, assim como os salários da função publica que aumentaram 10%

É preocupante? Não é.

Desde logo porque é apenas 0,2% défice. Logo, ainda possível chegar a um excedente orçamental no decorrer do ano.

Mas cuidado com a tendência. Menos receitas e mais custos não é uma realidade recomendável. Mais ainda se o governo cumprir todas as promessas que fez ou se a oposição continuar a aprovar medidas despesistas. Por aí estaremos no vermelho muito em breve. Apetece-me dizer: discuta-se tudo, faça-se tudo, menos voltar ao passado das contas públicas desequilibradas.

Para o CASO das GÉMEAS. Existem duas dimensões na analise deste caso.

A primeira protagonizada por uma mãe com nacionalidade portuguesa há mais de 15 anos, que fez tudo para salvar as suas filhas de uma doença grave. As gémeas que adquiriram a nacionalidade Portuguesa preencheram todos os requisitos da lei. Nenhuma progenitora, neste planeta, faria menos ou diferente desta mãe. Por isso não é arguida ou uma criminosa como alguns sugeriram.

A outra dimensão julgo que não deve ser ignorada.

Interessa clarificar o que aconteceu. A verdade é que um cidadão comum não tem acesso ao email do filho do Presidente da República para este enviar para o Pai e depois poder reencaminhar para as autoridades.

Para o PARTIDO CONSERVADOR Britânico. Viragem à esquerda no Reino Unido. Sem derivas aos extremos, os Trabalhistas ganharam as eleições britânicas por uma histórica maioria absoluta.

O Partido Conservador foi esmagado depois de 14 anos no poder. É a pior derrota de sempre.

Dado o sistema eleitoral britânico (“the winer takes it all”), onde todos os círculos são uninominais, os Trabalhistas com cerca de 40% dos votos elegem mais de 70% dos deputados, o que confere uma super maioria

Nigel Fagage surpreende com 15%. Pelos vistos ainda existe um eleitorado significativo que descortina virtudes no Brexit. Mas dado o mesmo sistema eleitoral, os 15% dos votos elegem meia dúzia de deputados.

Os conservadores precisam mesmo de uma cura na oposição depois de tantas disputas internas e desvarios, como as palhaçadas de Boris Johnson, as indecisões de Theresa May ou do suicida liberalismo radical de Liz Truss, que no espaço de um mês quase levava o país à bancarrota.

Mas pior foi como a mais consolidada Democracia da Europa conseguiu surpreender o planeta com o escândalo das apostas eleitorais. Apostas sobre as datas das eleições ou sobre os candidatos que iriam perder ou ganhar. Ou seja, os próprios políticos com informações privilegiadas faziam apostas do que sabiam à partida. Um deles, até apostou libras na sua própria derrota! Ou seja, ganhava sempre, fosse qual fosse o resultado!

Isto para dizer o que julgo todos concordarem. A virtude da Democracia passa pela alternância de poder.

O Reino Unido confirma-o.