Mário Soares, 100 anos: a Presidência Aberta e a história do bidé que ninguém quis pagar

Este texto é um excerto do livro “Recomeços” (Âncora Editora, Lisboa, 2022): Capítulo 12, págs. 165-176

Nunca se saberá se foi fruto do entusiasmo irrefletido de um jovem partido que do nada se tinha transformado na surpresa das eleições legislativas de 1985, conseguindo 18 por cento dos votos; se uma tentativa de reconciliação com o espaço político de onde provinha, procurando fazer valer a maioria parlamentar do conjunto da esquerda; ou se o novo primeiro-ministro, que se dizia não político, foi na verdade quem forçou a situação, com mais lúcida intuição sobre o desfecho do que aqueles que acusava de serem os profissionais da política. Pode ter sido cada uma das razões, como pode ter-se tratado de uma conjugação de todas.

A verdade é a primeira maioria absoluta de um só partido nasceria, a 19 de julho de 1987, de um detalhe aparentemente sem importância.

Cavaco Silva liderava o Governo e o PSD, com maioria relativa e sem apoio parlamentar de qualquer outro partido. Para ali chegar, tinha rasgado o acordo do Bloco Central e provocado eleições. Mas as presidenciais de 1986 foram um revés, com o candidato que apoiou, Freitas do Amaral, a disputar a segunda volta com Mário Soares, um adversário que tinha começado a corrida com intenções de voto inferiores a 10 por cento e que, fruto da união à esquerda na segunda chamada (com o célebre apelo de Álvaro Cunhal aos militantes do PCP para que “com uma das mãos lhe tapassem a cara e com a outra nele votassem”, se necessário), acabaria por ser eleito Presidente da República.

O objetivo de “Maioria, Governo e Presidente”, que Sá Carneiro ensaiara no final dos anos 70, com a AD, e que Cavaco resgatara no triunfo na Figueira da Foz, em 1985, estava afastado. Com personalidades antagónicas em Belém e em São Bento, o novo quadro afigurava-se imprevisível. Tanto mais no contínuo ambiente de guerrilha que marcava a relação entre o Governo e o Parlamento.

A gota de água do conflito deveu-se a uma viagem. Durante uma visita à então ainda União Soviética, a delegação de deputados portugueses aceitou deslocar-se à Estónia. Só que Portugal nunca tinha reconhecido a anexação dos países bálticos pela URSS. E gerou-se um conflito entre o Governo e a Assembleia da República, com o Ministério dos Negócios Estrangeiros a manifestar desagrado pela inclusão daquele país no programa da visita, considerando-a “inconveniente” e “contrária às orientações políticas” adotadas no quadro da NATO.

No regresso, o PRD apresentou uma moção de censura. Mas o partido inspirado por Ramalho Eanes e liderado por Hermínio Martinho garantia que, sendo aprovada, “Portugal não ficará desgovernado. Pelo contrário, a queda deste governo torna-se imperiosa para que Portugal venha a poder usufruir de uma política mais dinâmica economicamente e mais justa socialmente”. Apoiava-se na convicção de que o Presidente da República aceitaria a solução, previamente articulada entre os partidos, de um governo de maioria PS-PRD-PCP.

O derrube deu-se, como esperado, e o secretário-geral do Partido Socialista foi a Belém apresentar a proposta de formação de um novo governo, assente no acordo parlamentar alternativo. Mas Mário Soares, que não teria Vítor Constâncio em grande consideração, não aceitou e decidiu-se pela dissolução da Assembleia da República, convocando eleições antecipadas.

Maria João Godinho Antunes, que integrava a lista do PSD pelo círculo eleitoral da Guarda, tinha acabado de assumir funções em substituição. Foi deputada por um dia.

A maioria absoluta

Com o lema “Portugal não pode parar”, o PSD apostou tudo na bipolarização: era a escolha entre Cavaco ou um PS ainda órfão de Soares, com um líder sem carisma; entre prosseguir o caminho ou andar para trás. Na Guarda, o franco desenvolvimento do Instituto Politécnico era apresentado como o maior trunfo contra “aventuras perigosas” que significassem “o retrocesso”. A força política incumbente mostrava obra feita ou obra em curso.

O resultado foi esmagador. No país, o PSD alcançava maioria absoluta, conquistando 148 dos então 250 lugares no parlamento. O PS ficava pelos 22 por cento. E o PRD caía para os 5 por cento, desaparecendo da cena política.

Uma das melhores votações foi registada no distrito da Guarda, com o PSD a alcançar os 60 por cento, elegendo quatro dos cinco deputados: Marília Raimundo, Manuel Dias Loureiro, José Assunção Marques e Álvaro de Carvalho. Pelo PS era apenas eleito Abílio Curto.

A onda laranja tinha, aliás, apinhado a Praça Luís de Camões, diante da Sé da Guarda, num comício com Cavaco Silva, que a presidente da comissão política distrital, Marília Raimundo, abriu com uma provocação, em jeito de resposta aos que atribuíam as enchentes apenas a uma máquina de campanha profissional: “Se isto não é o povo, digam-me onde é que está o povo, que nós vamos ter com ele!”.

O segundo governo de Aníbal Cavaco Silva, o primeiro com maioria absoluta, tomou posse em agosto de 1987. João de Deus Pinheiro passou a ministro dos Negócios Estrangeiros, deixando a Educação. Com ele saiu a equipa de secretários de Estado, incluindo Marília Raimundo.

A deputada regressou à Assembleia da República, «com desprendimento e igual espírito de missão, a retomar um trabalho de que gostava muito». Do balanço de dois anos em funções governativas, e no que à Guarda dizia respeito, destaca a criação da Escola C+S de São Miguel, a ampliação e requalificação da Escola Secundária Afonso de Albuquerque e, numa política global, mas com impacto na região, o novo estatuto do ensino particular e cooperativo, que a levara a criar uma direção-geral para a qual nomeou o professor e historiador da Guarda, Adriano Vasco Rodrigues. Recorda ainda a regularização de vínculos e o enquadramento na carreira docente de antigos professores ou regentes, «pessoas que avançavam para uma fase adiantada da vida, sem lhe ter sido salvaguardado um sistema de proteção social e de reforma». Um conhecido dirigente associativo e antigo empresário da Guarda, já falecido, estava entre essas situações.

Mas a cada vez mais influente dirigente social-democrata não tardaria a ser chamada para novas responsabilidades.

Uma Mulher no Governo Civil

Estávamos em janeiro de 1988 e parecia que os jornais tinham combinado o título: “Uma mulher no Governo Civil da Guarda”. Num país de brandos costumes, era notícia o facto de ter sido nomeada uma mulher para um cargo ainda de algum relevo político, para mais no interior. Marília Raimundo foi a primeira e, assim que chegou, usou mãos de veludo e mão de ferro. De veludo porque virou o edifício do Governo Civil do avesso, requalificando-o e modernizando-o, com um manifesto toque feminino, retirando-lhe o aspeto de «cantina de quartel, onde fui encontrar até quem ali armazenasse e vendesse produtos hortícolas e bacalhau». De ferro porque, do gabinete, já composto e confortável, com vista para o jardim do Largo Frei Pedro, mandou, despachou, influenciou e determinou muitas das decisões da administração central em relação à Guarda e ao distrito.

Marília Raimundo, governadora civil da Guarda a partir de 1988, com dois antecessores: Adriano Vasco Rodrigues (de 1982 a 1983) e João Gomes (de 1983 a 1985).

A “dama de ferro” transformou um lugar quase simbólico num centro de poder, tornando-se na rival à altura do carismático presidente da Câmara, Abílio Curto. «Não se tratava de nenhum ódio de estimação, nem pouco mais ou menos, até porque éramos contemporâneos e amigos», esclarece. Mas o autarca socialista era «o adversário natural» da representante do governo social-democrata. «E tinha de ser assim, até porque éramos, ambos, pessoas diferentes com personalidades muito fortes». Mas, ressalva, «isto era no plano da necessária e saudável discussão política, apenas». Em que cada um «queria fazer o melhor pela Guarda». «O Governo fazia e a Câmara fazia também. O que nenhum de nós podia permitir era que um dissesse que só a Câmara é que fazia e que o Governo não fazia; e o contrário também, evidentemente».

Não havia, então, um ambiente de cortar à faca? «Só podia ser assim entendido por espíritos fracos e pessoas com baixa ou mesmo nenhuma formação política, que as havia em todos os quadrantes». Marília Raimundo prefere chamar-lhe «competição, que se calhar nem toda a gente compreendia». E não tem dúvidas: «quem ganhava era a Guarda, porque eu tentava fazer o melhor e o Abílio Curto também». A prova disso é que «o investimento do Governo na Guarda foi enorme, naqueles anos, e a Câmara também concretizou ou lançou grandes obras». Remata com um apelo à memória: «voltou, depois daquela época que durou até meados dos anos 90, a existir um período de tão forte e estruturante investimento no concelho da Guarda?». «A política tem de ser um ato contínuo de exigência, na forma de estar e nos resultados», conclui.

Preparar a Presidência Aberta

Voltando ao início. Contextualizando, primeiro. «Ao contrário do que se possa pensar, nunca planeei a minha carreira política. Nunca antecipei convites nem me fiz a eles. E fui rejeitando vários». Já sabemos que não quis ser deputada na primeira legislatura, que não quis ser secretária de Estado no Bloco Central e que não quis ser secretária-geral do PSD. «Os cargos que tive, aceitei-os porque entendi que estava em condições, naquele momento, de os exercer». E assim foi deputada a partir da segunda legislatura e secretária de Estado no primeiro governo do PSD. Porque quis.

O convite para ser governadora civil surgiu no final de 1987. «Estava na Assembleia da República e recebo um telefonema a dizer-me que o ministro da Administração Interna ia contactar-me». Tratava-se de José Silveira Godinho. Mas quem a contactou, no dia seguinte, foi o gabinete do primeiro-ministro, convocando-a para uma reunião com o próprio Cavaco Silva. «Atravessei pela primeira vez os jardins que ligam a Assembleia da República à residência oficial e fui. Reuni com o primeiro-ministro, que me disse “Marília, tem de ir para a Guarda, quero que seja governadora civil. Vá acertar tudo com o ministro, que eu já falei com ele”». A indigitada pediu tempo para pensar. Algo que não se ousava dizer a Cavaco Silva. «Então ele mudou de tom e explicou tudo: “Pode pensar o que quiser, mas é para ir, porque o que se passa é que eu vou ter o Soares e uma Presidência Aberta na Guarda daqui a três meses e preciso de si lá. Tem de ir, é a minha escolha e vai”». Difícil contra-argumentar. Ainda assim, «respondi “então vou, trato de tudo e no final volto à Assembleia da República”». Sem grande convicção, pois sabia que, uma vez nomeada representante do governo, o mais lógico seria cumprir mandato até 1991. «Comecei a interiorizar a missão e pronto. Mas o mais importante, e nisso não podia dizer que não ao primeiro-ministro, era preparar tudo para que o distrito recebesse condignamente o Presidente da República». Que iria mudar-se para a Guarda durante uma semana. Seria o acontecimento político e social da década, apenas comparável às celebrações nacionais do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a 10 de Junho de 1977.

A Presidência Aberta foi um roteiro pelo país, instituído por Mário Soares, que no primeiro ano de mandato já tinha passado por Guimarães, Bragança, Beja e Évora. A Guarda tinha sido escolhida para acolher a primeira edição de 1988, que decorreria de 25 a 31 de março. O edifício do Governo Civil foi então alvo de obras e redecoração, porque era ali o gabinete do Presidente da República, com toda a logística civil e militar associada, incluindo as cerimónias diárias do render da guarda. Também era onde se realizavam as recepções oficiais e iria decorrer a reunião semanal com o primeiro-ministro. No Hotel de Turismo estava instalada a comitiva e funcionavam os serviços de retaguarda, incluindo o centro de imprensa. E para residência oficial temporária de Mário Soares foi escolhido o Solar de Alarcão, uma unidade de turismo de habitação situada junto à Sé Catedral, no largo com o nome do pai, João Lopes Soares, o já mencionado governador civil na Primeira República.

Um bidé para Mário Soares

O edifício foi também sujeito a obras, as quais estariam na origem de uma situação caricata. Um empreiteiro remodelou as instalações sanitárias afetas aos aposentos presidenciais, colocando uma vistosa banheira e não menos aparatoso bidé. Quando a governadora civil e a equipa de ligação a Belém visitaram o espaço, tentaram reverter a obra, mas não havia tempo. Ao choque inicial («pelo absoluto mau gosto», assume) seguiu-se a bonomia. E na pequena cidade correram dichotes de todo o género, acerca dos usos a dar ao “bidé do Mário Soares”. Que teria sido escolha dos serviços da Câmara. «Minha ou do Governo Civil é que não foi, de certeza», até porque contrastava com o requinte que colocara na remodelação dos salões que acolheriam as mais altas figuras do Estado.

Terminada a Presidência Aberta, a fatura dos sanitários foi enviada pelo município à representação do governo. Mas Marília Raimundo recusou pagá-la. Abílio Curto também. E a dívida andou em bolandas, entre recriminações mútuas. «Ainda hoje não sei quem pagou aquele bidé horrível nem se foi pago, sequer».

A Presidência Aberta decorreu «de forma muito digna». «Dei-me muito bem com Mário Soares, acompanhei-o a todos os concelhos e ficámos com uma excelente relação», resume a então governadora civil. E na estrutura que dirigiria durante os três anos seguintes «tudo foi feito com a maior rapidez e as pessoas que lá trabalhavam acabaram por entrar no espírito, apresentando-se à altura das responsabilidades». Com exigência, «parecia uma orquestra». Afinal, «era o brio da Guarda e o prestígio da gente da Guarda que estava em causa».

A visita presidencial ao Instituto Politécnico

A presença do Presidente da República, que arrastava consigo uma larga comitiva e toda a imprensa nacional, deu um impulso de visibilidade ao trabalho que estava a ser realizado no Instituto Politécnico da Guarda.

No segundo dia da Presidência Aberta, João Raimundo recebeu, em sessão solene, aquele que, enquanto primeiro-ministro, o nomeara. Dois anos e meio decorridos, “passarmos da inexistência física à realidade atual foi tarefa árdua e sobretudo apaixonante”, disse a Mário Soares e ao novo ministro da Educação, Roberto Carneiro, também presente. Este também discursaria, acentuando que o IPG “deve muito às pessoas que têm dado o melhor do seu esforço, em especial ao seu presidente, João Raimundo, a quem presto a minha homenagem. Faço-o na presença do senhor Presidente da República”.

Depois de percorrer todas as obras em curso, Soares declararia que “foi muito grato também ouvir todos os progressos do ensino e do ensino superior aqui na Guarda. De facto, há alguns anos não havia ensino superior na Guarda e não pode haver desenvolvimento na região sem que o motor desse desenvolvimento seja o ensino superior”.

Este reconhecimento abriria novas portas, permitindo um acordo de colaboração com a Associação Industrial Portuguesa, apadrinhado pelo ministro da Indústria e Energia, Luís Mira Amaral. E no plano internacional consolidavam-se parcerias com instituições universitárias e politécnicas em Espanha (Salamanca e São Sebastião), França (Pau e Bayonne) e Grã-Bretanha (Brington e Coventry). A direção do Coventry Polytechnic reconhecia mesmo o IPG como “top college”. O Politécnico da Guarda estaria, aliás, na primeira linha da adesão ao Programa Erasmus, tendo para isso contribuído o ministro dos Negócios Estrangeiros, João de Deus Pinheiro, «que foi quem impulsionou este Politécnico enquanto ministro da Educação, mas que, nas novas funções, nunca perdeu a ligação, porque continuava a acreditar neste projeto».

Em outubro de 1989, Cavaco Silva inaugurava a nova Escola Superior de Educação da Guarda. Também estavam a ser finalizadas as obras do edifício dos serviços centrais. E acabara de ser adjudicada a construção das instalações definitivas da Escola Superior de Tecnologia e Gestão. O custo total iria ascender a dois milhões de contos, “o maior investimento de sempre no distrito da Guarda, se excetuarmos o IP5”, assinalava João Raimundo. Era “um ato de justiça aos mais profundos anseios das populações desta zona” e a concretização “do que para alguns, descrentes ou cansados de promessas de há vários anos, não passava de um sonho”. Uma quimera, também, “contra todos quantos procuravam desacreditar ou interromper esta batalha pelo ensino superior, pelo desenvolvimento regional”. Naquele terceiro ano letivo da ESE e segundo da ESTG, o Politécnico da Guarda contava com cerca de 850 alunos e 120 professores. “As duas escolas são, hoje, alicerces seguros do desenvolvimento cultural, científico, social, tecnológico e regional”, assinalava o presidente do IPG no discurso de boas-vindas ao primeiro-ministro e ao ministro Roberto Carneiro, este já na terceira visita em dois anos.

Mas estava reservado, para aquele dia de grande visibilidade, um dos momentos “à João Raimundo”, para pressionar a resolução de um impasse. Apesar de todas as obras em curso num campus feito de raiz (e que era um dos primeiros no país, naquele modelo de concentração de escolas e serviços), o local não tinha acessos. O plano inicialmente proposto pelo presidente da comissão instaladora para atenuar o isolamento do complexo, com abertura de vias de circulação circundantes, não fora levado em conta pela Câmara. E os terrenos até à Avenida Francisco Sá Carneiro também não seriam incluídos numa zona de salvaguarda, tendo inclusivamente sido autorizadas urbanizações que obstruíram a própria possibilidade de o Politécnico ser visto e apreciado desde a cidade. Tornou-se fisicamente isolado da Guarda.

Os responsáveis do IPG entendiam que competia à Câmara a criação de, pelo menos, uma avenida de ligação, se não houvesse naquele momento capacidade para construir uma via que rodeasse o conjunto e desse acesso por várias entradas. Mas a autarquia invocava que, tendo já oferecido o terreno, o resto teria de ser da inteira responsabilidade do Estado. E João Raimundo, perante o primeiro-ministro, o ministro, vários outros membros do Governo, os presidentes de câmara, os convidados e a imprensa, lamentou-se: “Pena é que haja, ainda, entidades – refiro-me à Câmara Municipal da Guarda – que não tenham compreendido o alcance do Instituto Politécnico da Guarda, instituição com créditos bem firmados junto de universidades portuguesas e estrangeiras e junto do tecido empresarial do distrito, fruto da qualidade científica e pedagógica dos seus docentes e dos cursos lecionados. Esta incompreensão está perfeitamente consubstanciada nas condições da vereda que serve de acesso a este Instituto Politécnico e que V. Exa. teve oportunidade de percorrer. Ninguém pode compreender que um investimento deste montante, dirigido a servir uma região tão vasta, não tenha acessos condignos”.

Ao ouvir aquilo, o presidente da Câmara da Guarda levantou-se, aos gritos: “Isso é mentira! É mentira!”. E abandonou a sessão. A esta distância, João Raimundo explica que só pretendeu «dar visibilidade a um diferendo que se arrastava havia meses, para ver se aquilo se resolvia». Como veio a resolver-se. Só que «foi o Politécnico que construiu os acessos a que tinha direito, mesmo não sendo os que eu defendi». O que envolveu «um enorme desafio em termos de engenharia», consubstanciado no grande muro de suporte que nasceu numa zona de pendente acentuada. Algo só possível graças «à competência técnica» de um engenheiro civil da instituição, Joaquim Rodrigues. «Não era trabalho ao alcance de qualquer um, e a verdade é que a obra lá continua».

Quanto às relações com a Câmara. «voltaram à normalidade». E com Abílio Curto «havia uma amizade de sempre, que nunca pusemos em causa, mas quando tocava à política alimentávamos uma discordância total». Ao ponto de o autarca o ter processado por difamação. «E fomos a tribunal e tive de lhe pedir desculpa por lhe ter dito, numa das nossas discussões, que um indivíduo com pouco mais do que a escolaridade obrigatória não devia meter-se nos assuntos do ensino superior». Apesar da querela, «continuámos amigos e somos amigos». «E, na verdade, quando alguém se sente difamado e ofendido tem todo o direito de recorrer aos tribunais e deve mesmo fazê-lo, porque eu também o fiz, várias vezes, quando me senti alvo de difamações».

Na viragem da década, era autorizado à Escola Superior de Educação um novo curso de estudos superiores especializados de Novas Tecnologias na Educação. E a Escola Superior de Tecnologia e Gestão via aprovados os novos bacharelatos em Gestão Industrial e Engenharia da Energia e do Ambiente. A ESTG, ainda em instalações provisórias, reforçava a cada ano a oferta formativa e, para 1989/1990, registava níveis de procura estrondosos: 905 candidatos para 50 vagas em Gestão Informática, 574 para as 50 em Ciências da Computação e 695 para o conjunto de 120 vagas nos cursos de Engenharia de Construção Civil, Engenharia de Manutenção Industrial e Secretariado de Administração. A conclusão do novo edifício e dos laboratórios tornava-se urgente.