No alvor da República, a Guarda esteve quase a ter uma universidade. Uma Universidade Popular, precedendo o movimento liderado por Bento de Jesus Caraça, que preconizava “o fim da oposição habitual entre cultura de elite e cultura popular, não havendo lugar a distinções, no sentido de que deve tender a dar a cada homem a consciência integral da sua própria dignidade e o conhecimento completo de todos os seus direitos e de todos os seus deveres”, como se lia no manifesto.
A libertação pela educação e pelo conhecimento era um objetivo revolucionário dos primeiros republicanos.
A verdade é que a Guarda tinha estado na dianteira deste movimento, graças ao impulso do primeiro administrador do concelho e governador civil do distrito após a proclamação da República, o pedagogo João Lopes Soares (1878-1970).
O então ainda sacerdote (o Papa aceitou o pedido de nulidade da ordenação que lhe dirigiu em 1923, um ano antes do nascimento do filho Mário), foi aqui colocado devido, precisamente, à formação religiosa.
A estratégia republicana passava pelo envio, para as regiões mais católicas, de políticos que pudessem despertar a confiança das populações no novo regime, procurando conter as incursões de resistência monárquica e clerical.
João Soares encontrou um grande aliado em José Augusto de Castro, diretor do jornal O Combate, o órgão do Partido Democrático, mas enfrentou a oposição dos jornais ligados à Igreja e aos setores conservadores, como A Guarda e o Distrito da Guarda.
Mas só o facto de a cidade poder ter sido precursora daquilo que hoje se designaria como “cursos livres” desencadeou, à época, um vivo debate na imprensa local. E a ideia da Universidade Popular ganhou adeptos de peso, incluindo os médicos Amândio Paul, Lopo de Carvalho, Ladislau Patrício e Arsénio Botelho, ligados ao Sanatório, além dos mais reputados professores, advogados, oficiais e comerciantes da Guarda.
Só que, tal como a Primeira República, a ideia de uma Universidade na Guarda na década de 1910 seria uma eforia breve.
Este foi um dos vários episódios que, no Centenário da República, Mário Soares recordou numa sessão comemorativa que teve lugar na cidade, em 2010.
O antigo Presidente da República testemunhou mesmo que foi na Guarda que participou num dos primeiros comícios clandestinos na idade adulta. Em 1945, no fim da segunda guerra mundial, época de rasgado entusiasmo, Mário Soares, então com pouco mais de 20 anos, acompanhou o pai ao encontro que marcou a constituição do núcleo local do Movimento de Unidade Democrática (MUD), impulsionado pelos advogados João Gomes (1912-2003) e Ernesto Carvalho dos Santos (1927-2002):
João Lopes Soares dá nome ao largo da Escola de Santa Clara, por deliberação da Câmara Municipal em 1988, quando a Guarda acolheu uma Presidência Aberta.
Quanto a Mário Soares, ainda não tem lugar na toponímia da cidade. A última proposta nesse sentido foi debatida numa reunião do executivo municipal em Abril de 2017, mas não houve consenso na escolha de um dos locais então propostos pela autarquia liderada por Álvaro Amaro: a estrada do Rio Diz, a avenida que circunda o Estádio Municipal e o jardim público requalificado em frente ao antigo Colégio de São José.
Já em 2024, a maioria na Assembleia Municipal rejeitou uma recomendação para que fosse dado o nome do antigo Presidente da República à Praça do Município, onde, a 25 de Abril de 1993, inaugurou o edifício dos Paços do Concelho.
O Centenário de Mário Soares (nasceu a 7 de Dezembro de 1924 e faleceu a 7 de Janeiro de 2017) não é objeto de nenhuma iniciativa evocativa na Guarda e passou completamente ao lado da sessão da Assembleia Municipal que decorreu na última quarta-feira.