A criação de um porto seco na Guarda, que será o primeiro do país, transformará a cidade «num eixo fundamental do posicionamento na centralidade do interior da península, criando uma âncora logística fundamental no interior do país», com «impacto relevante no produto interno bruto nacional» e motivando também «a aceleração da economia local», na medida em que as operações aqui centralizadas vão «servir as regiões centro e norte e os territórios fronteiriços de Espanha e de Portugal».
É o que está escrito no preâmbulo do Decreto-Lei nº 24/2022, publicado na passada sexta-feira em Diário da República, após a promulgação, pelo Presidente da República, do diploma aprovado na última reunião do Conselho de Ministros do de 2021, a 29 de dezembro. Dias antes, intervindo na Assembleia Municipal da Guarda na qualidade de deputada, a ministra do Trabalho, Solidariedade de Segurança Social, Ana Mendes Godinho, tinha já anunciado a iniciativa do Governo, que se traduziria num primeiro passo para o reconhecimento do estatuto de porto seco, através da atribuição da gestão do terminal ferroviário de mercadorias da Guarda à Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL).
A concessão está desde já em vigor, decorrendo agora o prazo de um mês para que os ministérios das Infraestruturas e das Finanças concluam a identificação de todos os imóveis, parcelas de terreno e infraestruturas e os transfiram da tutela da empresa Infraestruturas de Portugal (IP) para a APDL. A ocupação definitiva só será, no entanto, efetivada dentro de seis meses, para não prejudicar o uso do terminal como estaleiro de apoio às obras de requalificação e modernização da Linha da Beira Alta, que incluirão uma alteração do layout da estação da Guarda, com a ampliação do comprimento das vias, já com a perspetiva do trânsito, cruzamento e tratamento de comboios de mercadorias com grandes dimensões (entre 750 metros e 1 quilómetro de extensão).
Após este período, a APDL assume «todas as atribuições e competências relativas ao terminal ferroviário da Guarda, nos seus múltiplos aspetos de ordem económica, financeira e patrimonial, de administração do património do Estado que lhe está afeto e de exploração ferroviária, e desenvolve as atividades que lhe sejam complementares, subsidiárias ou acessórias, assegurando a exploração operacional dos mesmos enquanto instalação de serviços de terminal e garantindo a segurança ferroviária», lê-se no documento.
Embora assuma desde já as «responsabilidades atribuídas ao Estado relativamente aos bens do domínio púbico ferroviário que lhe estão afetos», a nova gestora terá também competências para «expropriação por utilidade pública, ocupação de terrenos, implantação de traçados e exercício de servidões administrativas necessárias à expansão ou desenvolvimento» das atividades.
A condição de concessionária obriga a APDL a «assegurar o acesso equitativo e não discriminatório de empresas de serviços de transporte ferroviário às infraestruturas e aos serviços nelas prestados», a coordenar «as intervenções de outras entidades públicas ou privadas com impacto na gestão do terminal ferroviário da Guarda» e a «promover e incentivar as atividades relacionadas com o terminal ferroviário da Guarda, divulgando a sua imagem junto dos agentes económicos, gerindo os recursos e contribuindo para o desenvolvimento da região».
A área definida no mapa anexo ao Decreto-Lei, por agora circunscrita ao terminal ferroviário junto à estação, poderá ser ampliada se os planos da APDL passarem por «desenvolver atividades acessórias ou complementares», designadamente «a administração ou exploração da rede logística de plataformas, de portos secos, de terminais rodoferroviários intermodais e dos serviços e infraestruturas conexos sob sua gestão, situados dentro ou fora da sua área de jurisdição». Uma formulação que faz do atual terminal apenas o posto de partida para uma expansão, em função das necessidades de desenvolvimento do porto seco.
E o que é, afinal, um porto seco? É uma iniciativa de política aduaneira e fiscal, que permite consolidar e alargar um ecossistema de logística, indústria e inovação. A legislação que o permite é de 2019 e introduz o conceito de Janela Única Logística, que reúna numa só circunscrição o trânsito, o tratamento, o armazenamento e o despacho alfandegário.
A decisão do Governo teve, então, em conta o Brexit e a necessidade de posicionamento dos portos portugueses como portas de ligação do Reino Unido à União Europeia. Os portos secos, como retaguarda para a chegada e partida de mercadorias por via marítima, passaram a estar previstos como estruturas para potenciar «a concentração e o desembaraço das mercadorias que circulam entre armazéns de depósito temporário, aumentando a competitividade dos portos e do setor exportador e importador nacional».
«A implementação do conceito de porto seco comporta benefícios ao nível do incremento da capacidade de as autoridades competentes atuarem sobre a execução dos processos de transporte, dada a maior visibilidade de toda a cadeia logística, da otimização das operações multimodais, por via da partilha da informação, e da redução dos custos de contexto, designadamente do número global de viagens em vazio e de tempos de espera e congestionamento da saída das mercadorias», conforme é referido no Decreto-Lei do passado dia 4.
O documento agora promulgado pelo Presidente da República reconhece que «a captação e tratamento de carga a ser movimentada no porto de Leixões poderá ocorrer em plataformas logísticas geograficamente distantes, mas que o meio ferroviário aproxima». Por isso, importa que «o terminal ferroviário de mercadorias da Guarda seja integrado na administração da APDL, S.A., permitindo fazer a gestão da carga desse espaço que é servido pelo porto de Leixões». A «instalação destas infraestruturas de proximidade, em tudo semelhantes a um porto marítimo, pressupõe a articulação com o transporte ferroviário, numa ótica de concertação com os terminais de receção de carga/mercadoria em Leixões», a fim de «viabilizar e otimizar todo o processo logístico».
O porto seco da Guarda passará «a oferecer claras vantagens para os operadores económicos, nomeadamente no âmbito da eliminação de estrangulamentos administrativos, no envio das declarações aduaneiras e na simplificação da transferência de mercadorias entre depósitos aduaneiros, onde, a nível nacional, a Janela Única Logística desempenha um papel muito importante de simplificação e desmaterialização».
A Guarda «integra o conceito de porto seco, assumindo-se como um eixo fundamental do posicionamento na centralidade do interior da península, servindo as regiões centro e norte e os territórios fronteiriços de Espanha e de Portugal». E «detém uma localização estratégica que o coloca como o único hub de distribuição nacional e internacional de mercadorias, no interior do território nacional, para a exportação e importação de matérias-primas, produtos e serviços».
Assim, a iniciativa do Governo visa «materializar o trabalho legislativo já feito ao nível do conceito legal de porto seco, densificando as regiões do interior e dando oportunidade ao interior do país de criar emprego e de fixar populações nestas áreas». E a Guarda tem «vantagens inegáveis que permitem dar força a este projeto, com ligação direta aos portos de mar de Leixões e de Aveiro e ao porto seco de Salamanca». O diploma releva também «a confluência de três vias rodoviárias: o IP2, na rota Bragança-Guarda-Castelo Branco; a A25, de Aveiro para Espanha; e a A23, entre Lisboa e a Guarda, conectada com a confluência ferroviária da linha da Beira Baixa com a linha da Beira Alta e a ligação a Espanha e ao centro da Europa».
Razões que levaram a criar, na Guarda, o primeiro porto seco do país.
Pela Linha da Beira Alta já transita um grande volume de mercadorias entre o litoral português e a Europa
Fiquei empolgada depois desta leitura. A Guarda espera há tanto tempo, está na hora de a potenciar como merece. O País pode deixar de ser só a faixa de 20km junto à costa e ficar muito maior e mais relevante para a nossa Ibéria e a Europa.