Alta Velocidade por Vilar Formoso, reabertura até Barca d’Alva e nova linha Douro-Beira Alta: Plano Ferroviário Nacional reforça importância da Guarda

O Plano Ferroviário Nacional, ontem apresentado, confirma a centralidade da Guarda no futuro da ferrovia em Portugal, especialmente em duas vertentes: a alta velocidade e a operação logística de mercadorias. A consolidação dos corredores internacionais e o reforço das ligações entre os portos marítimos e a fronteira terrestre continuam a ser focos prioritários, dando sequência o plano anterior (ainda em execução), com uma preocupação de aumento da capacidade e uniformização das condições técnicas da rede. «Desta forma, ficará completa a ligação em condições ótimas entre os portos de Leixões, Setúbal e Sines, os principais centros logísticos localizados ao longo do eixo Porto-Lisboa, dos centros logísticos da Guarda e Elvas e de todas as fronteiras ferroviárias», pode ler-se no documento.

Este objetivo torna-se essencial para a afirmação do porto seco da Guarda. Será a primeira estrutura do género em Portugal e, conforme está escrito no preâmbulo ao Decreto-Lei nº 24/2022, de março do corrente ano, transformará a cidade «num eixo fundamental do posicionamento na centralidade do interior da península, criando uma âncora logística fundamental no interior do país», com «impacto relevante no produto interno bruto nacional» e motivando também «a aceleração da economia local», na medida em que as operações aqui centralizadas vão «servir as regiões centro e norte e os territórios fronteiriços de Espanha e de Portugal».

Aquele diploma, promulgado pelo Presidente da República dois meses após a aprovação em Conselho de Ministros (na última reunião de 2021), foi um primeiro passo para o reconhecimento do estatuto de porto seco, através da atribuição da gestão do terminal ferroviário de mercadorias da Guarda à Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL). Note-se que o porto seco não é apenas uma obra física, mas um modelo de política aduaneira e fiscal, que permite consolidar e alargar um ecossistema de logística, indústria e inovação. A legislação que o permite é de 2019 e introduz o conceito de Janela Única Logística, que reúne numa só circunscrição o trânsito, o tratamento, o armazenamento e o despacho alfandegário.

A decisão do Governo teve, então, em conta o Brexit e a necessidade de posicionamento dos portos portugueses como portas de ligação do Reino Unido à União Europeia. Os portos secos, como retaguarda para a chegada e partida de mercadorias por via marítima, passaram a estar previstos como estruturas para potenciar «a concentração e o desembaraço das mercadorias que circulam entre armazéns de depósito temporário, aumentando a competitividade dos portos e do setor exportador e importador nacional».

«A implementação do conceito de porto seco comporta benefícios ao nível do incremento da capacidade de as autoridades competentes atuarem sobre a execução dos processos de transporte, dada a maior visibilidade de toda a cadeia logística, da otimização das operações multimodais, por via da partilha da informação, e da redução dos custos de contexto, designadamente do número global de viagens em vazio e de tempos de espera e congestionamento da saída das mercadorias», conforme é referido no Decreto-Lei de março do corrente ano.

O montante que a APDL se propõe investir na Guarda, no alargamento e na modernização do terminal de mercadorias, poderá ascender a 11 milhões de euros, segundo foi revelado em maio pelo presidente da estrutura, Nuno Araújo [recordar notícia aqui], que sublinhou a proximidade com Espanha para justificar a prioridade colocada no desenvolvimento das operações a partir da Guarda e considerou que o porto seco vai ter a maior importância no processamento de mercadorias, por via ferroviária, entre todos os portos marítimos nacionais, não apenas o de Leixões, e a Europa. Esse potencial foi igualmente sublinhado pelo presidente da Associação de Transitários de Portugal, António Martins.

O Plano Ferroviário Nacional aponta para a melhoria das condições da rede, no que respeita ao comprimento máximo dos comboios, permitindo padronizar a circulação de composições com até 750 metros em todo o eixo entre Viana do Castelo, Leixões, Aveiro, Guarda e Vilar Formoso, aumentando também para 600 metros o comprimento máximo na Linha da Beira Baixa. Isto apesar de, a Sul, a nova linha entre Sines e Elvas poder vir a receber comboios com o dobro da dimensão. Mas trata-se de uma via construída em planície.

As intervenções em curso na Linha da Beira Alta «reforçam o seu papel como principal acesso das mercadorias de todo o país para o Norte de Espanha e para a Europa além-Pirenéus», lê-se no relatório do Plano Ferroviário Nacional. Deste modo, o atual traçado «fica com bastante capacidade disponível para acomodar o aumento do tráfego de mercadorias durante vários anos». Assim, «perspetiva-se o desenvolvimento deste corredor ferroviário com o mesmo princípio de separação de tráfegos que está a ser usado no eixo Atlântico, com uma nova linha a ser construída para o tráfego rápido de passageiros e a linha existente a ficar dedicada a tráfego de passageiros local e tráfego de mercadorias».

É nesta lógica que a região ganha posição na rede de Alta Velocidade. A nova linha entre Aveiro e Vilar Formoso, passando por Viseu, é assumida como um dos eixos estruturantes «para uma velocidade de 250 km/h, com uma estação em Viseu, passagem pela Guarda, e com ligações à linha da Beira Alta perto de Mangualde e de Celorico da Beira». Isto quer dizer que entre a Guarda e Vilar Formoso o traçado da Linha de Alta Velocidade (LAV) acompanharia praticamente o da Linha da Beira Alta, em vez de seguir, num traçado mais reto, a Norte da cidade. Uma opção clara e assumida pelo Governo: «A estação da Guarda passará, então, a ser a principal interface ferroviária no interior Centro do país, concentrando as ligações de longo curso através da nova linha Aveiro-Vilar Formoso, os serviços que permanecem na Linha da Beira Alta e as ligações através da Linha da Beira Baixa, em direção à Covilhã ou a Castelo Branco».

Nestas circunstâncias, e tendo em conta que já existirá a LAV Porto-Lisboa, «tornar-se-ão possíveis tempos de viagem muito competitivos com a rodovia» nas ligações entre Lisboa, o Porto e a Guarda e Vilar Formoso: cerca de 3h30 de Lisboa à Guarda; menos de 2 horas do Porto à Guarda. Isto numa conjugação entre a LAV do Norte e a LAV de Aveiro a Vilar Formoso.

Já quanto à Linha da Beira Baixa, os autores do Plano Ferroviário Nacional atiram o investimento para mais tarde. «De facto, esta ligação não beneficia, no acesso a Lisboa, com a construção de nenhuma das novas linhas». Por isso, «deverá planear-se um conjunto de intervenções que permita reduzir o tempo de viagem entre Lisboa e a Covilhã», para que se alcance «um tempo de viagem claramente inferior a 3 horas entre Lisboa e a Covilhã e inferior a 2h15 entre Lisboa e Castelo Branco num serviço Intercidades a funcionar em moldes semelhantes ao atual». Como? «Será provavelmente necessário construir algumas variantes ao atual traçado que permitam velocidades superiores e um encurtamento do trajeto em, pelo menos, 30 minutos». Mas não é indicada nenhuma intervenção em concreto.

Até à concretização da Alta Velocidade, a rede existente levará à criação de ligações por Intercidades entre o Porto e a Guarda, tecnicamente viáveis após a construção da Concordância da Mealhada (entre as atuais linhas da Beira Alta e do Norte). Com 13 paragens, a viagem deverá demorar 2h55. Já o Intercidades de Lisboa à Guarda pela Beira Alta, com 18 paragens, verá a duração reduzida para 4h10. Nestes percursos «a expetativa é que, além dos 3 comboios por dia de e para Lisboa, que a ligação ao Porto tenha uma frequência, pelo menos, similar». «Isto traduzir-se-á num aumento de frequência entre Pampilhosa e Guarda, aproximando-se de uma cadência de um comboio a cada duas horas».

O que leva ao reforço do chamado «eixo da Cova da Beira», que liga as cidades da Guarda, Covilhã, Fundão e Castelo Branco. Lê-se no Plano que este «é um eixo de mobilidade importante no interior do país». No entanto, «a sua densidade não é suficiente para justificar serviços ferroviários de elevada frequência», ainda que se reconheça que «a oferta atualmente existente também não parece explorar todas as potencialidades».

A solução passa pela articulação cadenciada da oferta: «A criação de serviços Intercidades Porto-Guarda cria uma oportunidade de incorporar nestes o serviço local, num modelo semelhante ao que existe hoje com os Intercidades Lisboa-Covilhã-Guarda, que asseguram a ligação rápida até à Covilhã e fazem serviço
local entre a Covilhã e a Guarda». «Esta é uma forma eficiente de providenciar os serviços, já que evita a necessidade de ter serviços locais dedicados, com material circulante dedicado, ao mesmo tempo que evita transbordos em alguns dos percursos».

Um modelo que assenta na interoperacionalidade das linhas (existentes e a construir), de modo a garantir uma cobertura interurbana:

Por aqui se vê que o Plano Ferroviário Nacional assume a reabertura da Linha do Douro entre o Pocinho e Barca D’Alva, com a reativação das estações intermédias do Côa, Castelo Melhor e Almendra. Ao mesmo tempo que se projeta a ligação, através de uma nova linha, do Porto a Vila Real e a Bragança, a Linha do Douro é caracterizada como via de interesse turístico, que «percorre uma paisagem única ao longo do Rio Douro e liga três localizações Património da Humanidade: a cidade do Porto, o Alto Douro Vinhateiro e o Vale do Côa».

Outra possibilidade que surge como grande novidade é a construção de uma linha entre as estações do Pocinho (Linha do Douro) e Vila Franca das Naves (Linha da Beira Alta). Cenário apresentado como «um exemplo potencial que pode vir a justificar a criação de uma ligação ferroviária especializada», para responder a um segmento económico em concreto: «As minas de ferro de Moncorvo, caso venham a ser exploradas com maior intensidade, podem vir a justificar a construção de uma ligação entre o Pocinho e Vila Franca das Naves. A Linha do Douro não tem características adequadas para o transporte pesado de mercadorias e a sua inserção na paisagem dificulta as intervenções que seriam necessárias para fazer essa adaptação. Desta forma, no caso de a adaptação da Linha do Douro ao transporte deste tipo de mercadorias se revelar difícil ou dispendiosa, existe a alternativa de criar esta ligação à Linha da Beira Alta, que tem a vantagem adicional de ficar com ligações facilitadas, quer ao litoral de Portugal, quer a Espanha». Uma nova linha que teria também impacto nos fluxos de passageiros, em especial na ligação entre destinos turísticos: o Douro, a Serra da Estrela a Serra da Gardunha e o Tejo. Talvez o eixo interior com maior potencial.

Mas esta será uma hipotética linha «a pedido», construída para dar resposta ao possível desenvolvimento da atividade mineira em Trás-os-Montes.

Para já, o que se tem como certo é a consolidação da atual rede e como provável a chegada do país à era da Alta Velocidade. E nesse mapa a Guarda assume uma localização cada vez mais estratégica.